ARTE E CULTURA

Artistas se mobilizam contra retirada de obra em exposição no Marco

Obra foi denunciada por suposta incitação à pedofilia pelos deputados estaduais Paulo Siufi (PMDB), Herculano Borges (SD) e Coronel David (PSC)

Caroline Carvalho e Hélio Lima 3/10/2017 - 16h59
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Artistas de Campo Grande organizaram atos em defesa da liberdade artística, após apreensão do quadro ‘Pedofilia’, integrante da série ‘Cadafalso’, que estava exposto no Museu de Arte Contemporânea (Marco), no Parque das Nações Indígenas. As manifestações e intervenções artísticas tiveram como objetivo protestar contra a censura à obras de arte, além de demonstrar solidariedade à artista mineira Alessandra Cunha, responsável pela obra. A tela, denunciada por suposto incentivo à pedofilia, estava em exposição no Marco desde julho. 

O quadro foi apreendido pela Polícia Civil no dia 14 de setembro, após denúncia dos deputados estaduais Paulo Siufi (PMDB), Herculano Borges (SD) e Coronel David (PSC), à Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), sob alegação de que o quadro faz apologia ao abuso sexual contra crianças e adolescentes. O quadro retornou ao museu no dia seguinte, liberado pelo delegado Fábio Sampaio, a pedido do titular da Secretaria de Estado de Cultura e Cidadania (SECC),  Athayde Nery.  

O Fórum Municipal de Cultura divulgou nota de repúdio no mesmo dia da retirada da obra do museu. De acordo com a nota, o gesto revela arbitrariedade das autoridades competentes e “uma extremada posição do pensamento ultraconservador que não oferece chances ao diálogo e ao entendimento do que sejam obras de arte”.

Ainda segundo o documento, a exposição tinha como objetivo denunciar o abuso sexual, e não incitá-lo. “A exposição visa a denúncia contra a pedofilia e alerta para os males que isso possa causar. As obras pictóricas são um reflexo de nosso tempo e suas contradições. As linguagens da arte são diversas, ampliam a construção do conhecimento e a liberdade criativa. As telas de Alessandra despertam debate, e nada justifica a censura porque limita a criação artística e a liberdade de pensamento”.

Artistas montaram diversas apresentações culturais em Sarau (Hélio Lima) 

Acadêmicos do curso de Artes Visuais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) organizaram o Sarau “Não Cale a Arte”, realizado no Restaurante da Lenir, ou "Bar da Tia", localizado próximo à universidade, na semana seguinte da apreensão. No evento, foram exibidas pinturas, apresentações de dança, performances teatrais, apresentações musicais, entre outras manifestações artísticas.

De acordo com o organizador do evento, Glauber Portman a quinta edição do "Sarau da Tia" teve o intuito de defender a liberdade artística e abrir espaço para artistas independentes exibirem suas obras e apresentações. “O objetivo é não calar a arte nesse tempo que a gente está retrocedendo tanto, que está voltando a censura para casos medíocres, ... E não está entendendo o real sentido da arte, que é a liberdade de expressão, de falar a verdade, de expor isso e gritar. A arte está aí para revolucionar. Então esse foi o intuito central dessa edição”.


A artista e acadêmica do curso de Artes Visuais, Bianca Freitas, que expôs suas pinturas no projeto, evidencia a importância da iniciativa. “O que é mais importante para nós acadêmicos é promover esse encontro e mostrar a nossa arte a outros alunos. Em relação ao ocorrido no Marco, eu acho inadmissível isso acontecer no tempo atual, porque a obra se você ler ela, você vai entender que ela é contra a pedofilia”. 

Uma das obras apresentadas por Bianca Freitas no Sarau retrata uma mulher indígena Carajá, etnia da bisavó da artista. “Eu pretendo fazer mais personagens indígenas para mostrar o que ninguém mostra. Ninguém olha para o povo indígena. Principalmente aqui em Mato Grosso do Sul, que é o segundo estado com maior população indígena no Brasil”.

Acadêmica Bianca Freitas foi uma das artistas que participaram do projeto (Foto: Hélio Lima)

Entenda o caso

Selecionada para a Segunda Temporada de Exposições do Marco, a série “Cadafalso” da artista mineira Alessandra Cunha reúne 32 telas que retratam e denunciam as violências decorrentes do machismo. A obra "Pedofilia", integrante da série, estava em exposição no Marco desde julho e foi alvo de críticas pelos deputados estaduais três dias antes do encerramento da mostra, que registraram Boletim de Ocorrência na Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) por suposta apologia ao crime. 

Artista Alessandra Cunha e obra 'Pedofilia' (Foto: Hélio Lima) 

O deputado Paulo Siufi (PMDB) afirmou, em vídeo, divulgado em sua página, que a ação não era de qualquer forma contrária à arte, e sim um ato em defesa dos direitos das crianças e adolescentes. "Nós queremos a ordemNós queremos o apoio à família. E é isso que nós três, deputados estaduais, vamos lutar sempre. Para que sejam preservados os direitos que estão no ECA e na Constituição”.

No mesmo vídeo, o deputado Coronel David (PSC) diz que a obra é “agressiva à moral e aos bons costumes, e induz ao crime da pedofilia”. Herculano Borges (SD) acrescenta que a tela apresenta cenas fortes e não deve estar aberta ao público abaixo de 18 anos.

De acordo com o membro do Comitê de Combate à Violência Sexual da Criança e Adolescente, Angelo Motti a obra não viola o Estatuto da Criança e do Adolescente. “Até porque a forma plástica que a artista retratou a questão é bastante simbólica. Ela usou silhuetas usando simbologia. Então eu acho assim, que se fosse uma fotografia poderia realmente causar algum incômodo, até pela incapacidade de determinadas crianças apreenderem a imagem fotográfica. Mas ela tratou de uma sutiliza tão grande, um cuidado, que não transgrediu os direitos da criança”. 

Segundo a coordenadora do Marco, Lúcia Monte Serrat Bueno as denúncias foram baseadas na má interpretação da obra. "A exposição Cadafalso era uma exposição de denúncia, contra a agressão à mulher e contra a pedofilia. E ela foi totalmente mal interpretada, porque não vieram visitar a exposição. A censura só acontece quando as pessoas desconhecem o assunto. Pegam por falas soltas, objetos soltos, não conhecem o contexto. Eu lamento muito que a gente esteja no século que a gente está e que isso esteja acontecendo". 

Lúcia Bueno explica que a curadoria do Museu, composta por quatro pessoas, prioriza as mostras que possuem um caráter crítico e reflexivo. "Nós temos vários artistas incritos, e fazemos uma seleção anual. As pessoas mandam suas propostas de trabalho e aí a gente vê quais são os mais significativos, quais os trabalhos que tem uma proposta, alguma coisa para discutir".  

 

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