VIOLÊNCIA SEXUAL

Mato Grosso do Sul registra aumento no número de denúncias de abuso sexual infantil

"Disque 100" registrou 1.092 notificações de exploração sexual de crianças e adolescentes no estado nos primeiros quatro meses de 2023; esses grupos sociais contabilizaram 80,2% dos casos de estupro registrados em Mato Grosso do Sul nos últimos três anos

Giovanna Andrade, Giulia Mariê e Isadora Prado Goulart 8/09/2023 - 20h35
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Os casos de abuso sexual registrados em Mato Grosso do Sul aumentaram nos últimos três anos. A Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) registrou 7.108 casos de estupro e um aumento de 3,3% no número de ocorrências de 2020 a 2022. Crianças e adolescentes foram os grupos sociais com o maior número de ocorrências registradas, contabilizaram 80,2% dos casos registrados no período.

As denúncias aumentaram paralelamente ao número de casos de abuso sexual registrados no estado. Mato Grosso do Sul é o quinto estado com o maior indíce de denúncias de exploração e abuso sexual de crianças e adolescentes. O "Disque 100", do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, contabilizou 1.092 notificações de exploração sexual de menores de idade no estado nos primeiros quatro meses de 2023.

Dados do Sistema Integrado de Informação e Gestāo da Oferta Educativa e Formativa (Sigo) apontam 1.693 crimes de abuso sexual infantil até agosto deste ano. A responsável pela Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente (Depca), Nelly Macedo explica que o número de registros é uma consequência do aumento das denúncias. "Nós vemos o indíce aumentar e já ficamos alarmados, pensando que os crimes estão aumentando e, na verdade, nós temos a "cifra negra", que são os números de abuso sexual infanto-juvenil que não chegam até nós. Então não são os números aumentando, é a diminuição da cifra negra. Estamos levando informação e orientação, fazendo com que as pessoas identifiquem perfis de crianças e adolescentes que foram abusados, para que a gente tenha um maior acesso a esses números". 

A Depca fornece atendimento especializado para crianças e adolescentes vítimas de abuso na capital, e realiza o depoimento especial. Nelly Macedo afirma que "o importante é que em todos os lugares, mesmo que não tenham uma delegacia especializada como a Depca, haja profissionais habilitados. No último mês a Polícia Civil formou mais de 400 policiais, para que eles possam realizar o depoimento especial e todos os delegados hoje estão habilitados e preparados para fazer esse atendimento e essa investigação".  

A delegada Nelly Macedo informa que os crimes de abuso e a exploração sexual infantil são caracterizados pela dispensa do contato físico entre a vítima e o crimonoso, como em casos de obtenção e distribuição de pornografia infantilDados da Organização Não Governamental (ONG) Safernet mostram que o Brasil registrou 111.929 denúncias de armazenamento, divulgação e produção de imagens de abuso e exploração sexual infantil. De acordo com Nelly Macedo, "hoje não dá para blindar uma criança para que ela não acesse a internet, até porque a educação tá lá, os trabalhos de escola, então tirar o acesso é impossível. Mas a gente precisa orientar pais e responsáveis que saibam conduzir essas crianças dentro um ambiente virtual, para que elas não se tornem vítimas desses crimes". 

Dados da pesquisa "TIC Kids Online Brasil 2022", do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic), indicam que 95% dos usuários de internet de 9 a 17 anos acessam a rede todos os dias. A psicopedagoga Marilene Petrarcha explica que a orientação sobre o uso do espaço virtual é uma das formas de evitar as ocorrências de abuso. "Falar para a criança que do outro lado você não sabe quem está, pode ter uma criança como ela, mas pode ser um adulto, tanto homem quanto mulher, que pode, de repente, começar a fazer umas perguntas do nada e a criança ser instigada a responder. Começa como uma brincadeira, um desafio, dependendo da faixa etária da criança".

Primeira Notícia · Psicopedagoga, Marilene Petrarcha fala sobre o perfil comportamental de crianças em casos de abuso

A psicóloga infantil Rita de Cássia Vilanova explica que as crianças apresentam alterações no comportamento, pois vivenciam situações desfavoráveis, "porque qualquer situação que ocorrer nesta fase do desenvolvimento, que é a infância, que a criança não está física nem psiquicamente desenvolvida, vai ter alguma alteração". Rita de Cássia Vilanova orienta que os responsáveis devem observar as mudanças de comportamento, assim como fornecer um espaço acolhedor para que as crianças se sintam seguras para compartilhar a ocorrência de determinada situação adversa. "Percebeu determinado comportamento que tá diferente, que a criança está mais introspectiva, se ela era mais expansiva, mais extrovertida, são movimentos que a longo prazo quem tá ali perto consegue perceber que tem alguma coisa diferente... mas só consegue detectar e fazer uma boa investigação com uma conversa muito profunda e muito aberta para que a criança possa falar, mas infelizmente não são todas que tem um ambiente ou um adulto favorável para que essa conversa aconteça".

Informações do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania apontam que os abusadores são pessoas próximas à vítima em 80% dos casos registrados no "Disque 100". A professora de Educação Infantil, Mariane Machado orienta, em aula, quem pode tocar em cada parte do corpo humano. "Oriento os meus alunos que nossas partes íntimas são só nossas e que apenas a gente pode ver. Também explico que o papai e mamãe podem ver pra ajudar a limpar mas se alguém mexer e doer é pra gritar, contar pra mamãe ou pra professora, tudo de uma forma mais lúdica, com músicas e etc".

O tema "orientação sexual" faz parte dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) desde 1996. De acordo com o documento, a abordagem da temática em sala de aula "contribui para a prevenção de problemas graves, como o abuso sexual". Segundo a psicopedagoga Marilene Petrarcha, "vale a pena estar se falando sim, sempre dentro da faixa etária de cada criança e a capacidade que a criança tem. E se isso vai ou não trazer a questão do abuso sexual, pode ser que sim, pois pode ser que ao falar sobre o seu corpo, ao identificar as coisas, a criança venha a se lembrar de algo que já aconteceu ou que aconteça".

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