ACESSIBILIDADE

Aplicativo auxilia pessoas com deficiência visual no transporte público em Campo Grande

A ferramenta atenderá aproximadamente 500 pessoas na capital, após cadastro realizado pelo Consórcio Guaicurus

Adrian Albuquerque, Gabriela Coniutti e Lucas Castro 8/05/2018 - 07h27
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O aplicativo de mobilidade urbana “Todos no Ônibus” foi desenvolvido para auxiliar na acessibilidade de pessoas com deficiência visual no uso do transporte coletivo em Campo Grande. A ferramenta será lançada no dia 11 de maio e atenderá, aproximadamente, 500 usuários cadastrados pelo Consórcio Guaicurus. Em maio de 2016, o Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul (MPE-MS) instaurou um procedimento investigativo com o objetivo de apurar o atraso da Prefeitura Municipal de Campo Grande (PMCG) em disponibilizar o aplicativo, criado pela Agência Municipal de Tecnologia da Informação e Inovação (Agetec), Agência Municipal de Transporte e Trânsito (Agetran) e Consórcio Guaicurus. 

Segundo o censo demográfico do Brasil de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a deficiência visual afeta 16,72% da população de Mato Grosso do Sul com 2,4 milhões de habitantes. Campo Grande tem 16,5% da população com deficiência visual e é a 23ª capital no ranking nacional.

    Valdir participou da fase de testes do aplicativo
    (Foto: Adrian Albuquerque)

De acordo com aposentado e associado do Instituto Sul-Mato-Grossense para Cegos Florivaldo Vargas (ISMAC), Valdir Lustosa a maior dificuldade enfrentada pelos usuários do transporte coletivo com deficiência visual é a falta de segurança ao embarcar e desembarcar do ônibus. “Dependo, praticamente, 100% das pessoas ou da boa vontade dos motoristas para falar o nome e número da linha, perguntar se vou embarcar. As pessoas até se dispõem a me avisar quando o meu ônibus passar, mas, na maioria das vezes, elas vão embora primeiro e eu fico sem saber. Aconteceu também de me embarcarem em um ônibus errado e, com isso, perdi muito compromisso, chegava atrasado nos lugares. Eu entendo que no dia a dia de cada um existem as correrias e preocupações, mas acho que falta um pouco de sensibilidade”.

Lustosa foi um dos quatro voluntários selecionados para a fase de testes do aplicativo, que durou cerca de sete meses, de setembro de 2017 a abril deste ano. O aposentado afirma que, durante esse período, foi possível perceber algumas funcionalidades desnecessárias e falhas no aplicativo. “A princípio, demos os nomes das linhas do local onde moramos e, a partir de então, começamos a acionar, apontar as falhas e os acertos. De lá para cá, houve muitas falhas, mas foram sanadas. O essencial para nós é a solicitação do embarque especial, que lutamos tanto e conseguimos, enfim, em tempo real. Muitas vezes, solicitávamos o embarque especial, mas o horário não batia com o da linha cadastrada, então isso complicou bastante. Além disso, saímos a campo para diferenciar o uso da ferramenta de uma linha para outra, testar uma da região onde morava, outra na rodoviária e outras aqui perto do ISMAC”. 

O diretor do Consórcio Guaicurus, João Resende afirma que o uso do aplicativo será exclusivo para pessoas com deficiência e que, atualmente, 183 usuários estão habilitados pela entidade que opera o sistema de transporte coletivo urbano de passageiros de Campo Grande. “Para serem habilitadas, primeiramente, essas pessoas devem procurar a sede do Consórcio para um cadastramento com o uso de seus documentos pessoais para registro no banco de dados. Depois da validação por meio do Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), o usuário recebe orientações sobre o funcionamento do aplicativo e, partir desse momento, vai estar liberado para usar. Depois de baixado no celular, é só inserir o número do CPF que, automaticamente, o aplicativo reconhecerá o usuário no sistema. Esse cadastro é uma forma de controle, para que outras pessoas, sem deficiência visual, não baixem o aplicativo na loja virtual do Google”.

   O aplicativo será lançado no dia 11 de maio na capital
   (Arquivo/PMCG)   

Para utilizar o aplicativo, o usuário deve solicitar a linha desejada por meio do dispositivo de comando de voz. Automaticamente, em um tablet presente em cada veículo, o motorista terá o registro do ponto de ônibus onde o passageiro está localizado, por meio de um sinal sonoro. Ao chegar no local, o passageiro será chamado pelo nome.

Resende ressalta que todas as 189 linhas de ônibus disponíveis na capital estão prontas para receber os usuários da ferramenta e os motoristas fazem treinamentos desde janeiro deste ano. “O motorista receberá um aviso sonoro de embarque especial no tablet acoplado no painel do ônibus, com o nome do usuário e em qual ponto ele está, no mesmo momento em que este tiver solicitado. O motorista terá o registro do ponto onde estará o usuário e, ao chegar ao local, chamará o passageiro pelo nome”.

Cardoso afirma que a ferramenta é pioneira no país no que diz respeito ao nível de integração e interação entre usuário e motorista. “A equipe técnica especializada da Agetec desenvolveu a ferramenta por meio de apontamentos e sugestões dos próprios usuários do transporte coletivo, daqueles que, de fato, possuem necessidades específicas, como é caso das pessoas com deficiência visual, a fim de garantir maior acessibilidade e autonomia a esses cidadãos. Essa foi uma maneira de diminuir as dificuldades, ou seja, o aplicativo foi formatado dentro da realidade desse público específico, de quem realmente vai usá-lo e, por isso, passamos por uma fase piloto”. De acordo com o diretor-presidente da Agetec, Paulo Cardoso a princípio, o aplicativo funcionará na plataforma Android. “Depois de acompanharmos a realidade desse público específico, constatamos que 90% dos celulares utilizados pelos usuários cadastrados possuem o sistema Android”.

O diretor-presidente da Agetec aponta ainda que o aplicativo possui um canal para reclamações. “Além do Consórcio orientar os usuários por meio dos seus canais de suporte, ouvidoria, nas próximas atualizações do aplicativo vamos acrescentar um menu para que os usuários apontem possíveis falhas”.  

Segundo o presidente da Associação dos Deficientes Visuais de Mato Grosso do Sul (ADVMS), Silvan Azevedo mesmo com a criação do aplicativo, Campo Grande ainda é uma cidade que apresenta problemas de mobilidade urbana e que necessita de uma maior fiscalização no que se refere à acessibilidade. “Muitas vezes a sociedade e o próprio governo cumprem por obrigação e quando se faz isso, quase sempre não sai da forma correta. Depois de muitos anos, foi criado o aplicativo, mas por outro lado existem ônibus que não possuem elevadores. Nas calçadas públicas, faltam rampas de acesso e muitas vezes não são feitas de forma adequada. O maior desafio para as pessoas com deficiência é em relação ao passeio público, necessidade do piso tátil, que é ignorado por muitos comerciantes. Isso tudo precisa de fiscalização rígida da prefeitura”.

Azevedo relata que a principal dificuldade enfrentada por pessoas com deficiência está relacionada à falta de respeito de outros usuários do transporte coletivo. “Sabemos que os ônibus estão sempre cheios, mas acho que falta uma educação e respeito ao próximo, a uma pessoa com deficiência ou não. Hoje, muitas pessoas dentro do ônibus, quando veem uma pessoa com deficiência embarcou, viram o rosto para fora para não ceder o lugar. Além do mais, podem estar sentadas num lugar prioritário e fingem que dormem, ignoram a presença da pessoa com deficiência”. 

O presidente do Instituto Sul-Mato-Grossense para Cegos Florivaldo Vargas (ISMAC), Márcio Ramos acredita que é desnecessária a chamada pelo nome do usuário, que os motoristas deverão fazer nos pontos de ônibus onde foi solicitado o embarque especial. “Acho que não há necessidade da chamada verbal do nome da pessoa, mas foi o que a maioria decidiu nas reuniões. Não é nem por questão de constrangimento, acho que isso dificulta e dá mais um trabalho  desnecessário para o motorista de ônibus. O próprio aplicativo, além de informar e atentar a parada de embarque para o motorista, o próprio aplicativo vai avisar a pessoa que solicitou. Quando o veículo chegar no ponto, por meio de um sinal sonoro ou vibração no celular, ele vai saber que o ônibus está ali”.

Inquérito Civil

O MPE-MS instaurou, no dia cinco de maio de 2016, o inquérito civil 06.2016.00000635-6 na 67ª Promotoria de Justiça da capital para “apurar suposta inércia do Município de Campo Grande na elaboração de projeto para desenvolvimento de aplicativo para auxiliar pessoas com deficiência visual na utilização de transporte coletivo”. O requerimento foi feito pelo Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça dos Direitos Constitucionais do Cidadão e dos Direitos Humanos, órgão auxiliar do Ministério Público. O inquérito foi publicado na edição do dia 16 de agosto de 2016 do Diário Oficial do Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul (DOMPMS).

Depois de receber a denúncia, o MPE-MS, solicitou justificativas à prefeitura no que diz respeito à demora da entrega e efetivação da ferramenta de acessibilidade destinada às pessoas com deficiência visual.

De acordo com o procedimento investigativo, em 2012, uma empresa de tecnologia, por meio de parceria com o ISMAC, chegou a lançar o projeto com a Prefeitura Municipal de Campo Grande, que beneficiaria cerca de 200 pessoas com deficiência visual. 

Segundo o presidente do ISMAC, Márcio Ramos a execução do projeto dependia de uma elaboração completa de georreferenciamento na frota de ônibus. “Dependia de todo um mapeamento, da instalação de tablets nos ônibus, de uma estrutura que faltou e que prejudicou a funcionalidade do aplicativo. Um GPS era necessário para que a aplicação funcionasse corretamente. O recurso foi enviado, o Ministério Público ficou em cima e o atual prefeito teve que resolver o problema e cobrou o Consórcio. Acho que foi o que ajudou a sair do papel esse projeto”.

O andamento do processo investigativo pode ser consultado por meio do número do inquérito civil (06.2016.00000635-6) na página de Consulta ao Andamento Processual do MPE-MS.

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