FEMINICÍDIO

Mato Grosso do Sul tem o maior índice de casos de feminicídio registrados no Brasil

O estado registrou 42 ocorrências de feminicídios em 2022, número que representa a maior taxa do país com 2,9 mortes a cada 100 mil mulheres, em mais de 80% dos casos não há registros anteriores de violência doméstica

Luiza Vonghon, Marcus Gonçalves, Mariana Brito e Mariana Piell 3/09/2023 - 16h32
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A taxa de crimes de feminicídio em Mato Grosso do Sul foi a maior registrada no país em 2022. A Polícia Civil registrou 42 mortes no estado, das quais 12 ocorreram na capital. Os registros apontam um recorde de casos de femicídio registrados no estado desde que o crime foi tipificado como homicídio qualificado pela Lei 13.104/15.

O Sistema Integrado de Gestão Operacional (Sigo) da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) registra que este ano, até o momento, são 18 casos de feminicídios no estado, dos quais seis ocorreram em Campo Grande, um terço das mortes. Em mais de 80% dos casos em que ocorre o feminicídio não há registro anterior de violência doméstica em Boletim de Ocorrência e quando há registro prévio as acusações são de violências superficiais. 

Dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) contabilizam 42 ocorrências de feminicídio em 2022. Mato Grosso do Sul registrou o maior número de ocorrências desde 2015. Campo Grande registrou 12 ocorrências, cerca de 28% do número total dos crimes registrado no estado.

A delegada plantonista da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), Karen Queiroz explica que "o feminicídio é um problema reproduzido culturalmente nos núcleos familiares [...] Nos estados do Norte e Nordeste também há um número elevado, assim como o nosso, porque há uma questão cultural e social de educação”. Karen Queiroz relata que há uma "ideia de que mulheres são propriedades dos homens" e como "determinadas agressões masculinas são consideradas aceitáveis [...] A gente também vê músicas antigas e novelas que retratam situações como se fossem de amor e na verdade não são”.

O Superior Tribunal Federal (STF) proibiu o uso da “legítima defesa da honra” em agosto deste ano. O argumento era utilizado para justificar os crimes cometidos pelos agressores em casos de feminicídio ou de violência doméstica. Karen Queiroz afirma que “os autores sempre tentam justificar de alguma forma o ato, seja porque a mulher fez ou falou alguma coisa, sempre uma explicação ou situação tola. São geralmente brigas muito desproporcionais”. 

A psicóloga Mirian Valadares explica que diversos fatores psicológicos contribuem para a manutenção de comportamentos violentos praticados pelos agressores em um relacionamento amoroso. “No abusador os fatores mais comuns são transtornos mentais sem tratamento como esquizofrenia e borderline, mas questões sociais e culturais também influenciam nessa questão”. Mirian Valadares relata que no início do relacionamento a violência começa de forma velada, sutil e se intensifica ao longo do tempo. “Ninguém vai chegar no primeiro dia de namoro e dar um tapa na cara da outra pessoa. A pessoa começa a ter ciúmes das roupas, das redes sociais, ciúmes dos seus amigos e familiares. E para manter o relacionamento a vítima se afasta desses amigos e familiares e acaba isolada, tendo mais dificuldade de sair de um relacionamento abusivo”.

A psicóloga destaca que a tática dos abusadores é culpabilizar as vítimas pelas práticas abusivas. “Com o tempo as coisas vão piorando, partindo para as agressões psicológicas e físicas. Mas sempre voltando na questão do abusador dizer ‘Mas desculpa, eu não queria ter feito isso, eu estava fora de mim, você que me provocou, você que tava falando com aquele cara, isso que me despertou o ciúmes’. É sempre a vítima que é a causadora do ciúmes dele”. A psicóloga ressalta que na maioria dos casos as vítimas saem do relacionamento com problemas psicológicos graves. “Não tem como não sofrer esses impactos, não tem como a pessoa sair ilesa de uma relação assim, e sair mentalmente saudável. Eu vejo muito estresse pós-traumático, sem ajuda ela não consegue arrumar um emprego, se manter num trabalho, pois ela não se acha capaz. O que é bem comum de acontecer é elas caírem numa situação muito parecida por que elas não se curaram daquela dor e entram em outro relacionamento por medo de não sobreviverem sozinhas. É um ciclo”.

O estudante do curso de Jornalismo, João Mendes, filho de uma vítima de feminicídio, relata que, antes do incidente, houve vários sinais de abuso praticados por parte do ex-parceiro de sua mãe. "Teve uma vez que ele invadiu lá em casa e eu estava lá, ele estava com um machete (faca de mato de maiores dimensões). Da outra vez, ele estava apedrejando nossa casa e passou a madrugada toda por lá. Lembro de ter ligado para a polícia porque minha mãe não estava conseguindo, pois tinha chorado por horas de medo, e a polícia militar não ajudou em nada". A vítima havia solicitado medida protetiva, e o ex-parceiro usava tornozeleira eletrônica. Depois da morte da vítima, o criminoso foi preso de maneira preventiva, e posteriormente condenado a 24 anos de prisão.

Mendes relata que perdeu a mãe com 19 anos e assumiu responsabilidade dos cuidados da irmã mais nova e da avó materna. Mendes passou por um processo burocrático para obter de forma legal a guarda da irmã durante um momento de luto. "A polícia não pesou a mão até que o pior aconteceu".

A Casa da Mulher Brasileira foi a primeira instituição de atendimento e acolhimento de mulheres em situação de abuso e violência a ser criada no Brasil. A instituição oferece serviços de atendimento especializado às mulheres vítimas de violência.Os principais serviços de assistência social oferecidos pela instituição são assistência social e jurídica, apoio psicológico, assim como a garantia da prisão preventiva dos supostos agressores das vítimas. Há tmabém abrigos para as mulheres vítimas de violência.

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