Os moradores da favela Cidade de Deus, no bairro Dom Antônio Barbosa, região sul de Campo Grande, enfrentam falta de energia elétrica desde o dia 11 de setembro, quando a concessionária Energisa cortou o fornecimento na região. No dia seguinte a comunidade promoveu um protesto em frente a empresa. Depois das manifestações, a Prefeitura emprestou temporariamente geradores para atender a população.
Segundo uma das representantes dos moradores, Mariana Gonçalves, 21, um curto-circuito causou um incêndio que destruiu três barracos um dia antes do corte da luz. "A Energisa alegou que esse foi o motivo para suspenderem a energia, mas acredito que foi apenas um pretexto, já que temos vários 'gatos' instalados por aqui".
Na noite de 11 de setembro, Nilton César do Nascimento, 38, foi eletrocutado ao tentar restabelecer a energia no lugar. Sua esposa, Vanderleia Leite, 34, dormia enquanto o marido tentava consertar a fiação elétrica. "Eu acordei com um barulho, logo em seguida escutei ele gritar e já fiquei desesperada". Nilton César teve de amputar o braço e está internado no Hospital Santa Casa. Segundo Vanderleia Leite, o estado de saúde dele é estável.
Prejuízos e perdas causadas pela falta de luz
A dona de casa Adevanir dos Santos Nascimento, 50, perdeu toda a carne que tinha comprado e estocado para o mês, além de algumas verduras. “O pouco que tinha dentro da geladeira se perdeu por completo”. Ela revela que teve dificuldades para dormir à noite, "era tanto calor e mosquitos que ficou difícil".
A auxiliar de serviços gerais, Mara de Moura, 34, disse que o remédio de asma de sua filha de 13 anos estragou. “O pior é que se ela tivesse tido alguma crise, não poderíamos ir ao Posto de Saúde do bairro, porque eles não atendem pessoas sem comprovante de residência”. Moradores perderam desde geladeiras, fogões, aparelhos eletrônicos até medicamentos com o corte de energia.
Distribuição de geradores
No dia 12 de setembro, o Conselheiro Regional da prefeitura, Elvis Rangel, foi à Cidade de Deus e forneceu dois geradores para atender à população. O prefeito Gilmar Olarte (PP) também esteve presente no local e conversou com moradores sobre o problema. Mariana Gonçalves afirmou que o prefeito garantiu uma solução. "Ele disse que iria negociar com a Energisa e não iria deixar a gente sozinho".
De acordo com a representante, os geradores funcionam em horas alternadas. "Eles desligam às 5h da manhã, ligam às 10h e desligam ao meio-dia. Depois, só religam às 18h30". Segundo Mariana Gonçalves, o prefeito afirmou que os geradores não ficariam por muito tempo. "Seria só para 'quebrar um galho' da gente, pelo menos durante a noite".
A Guarda Municipal é responsável por cuidar dos geradores. No dia 25 de setembro, uma viatura foi atingida por dois tiros. Os guardas não se feriram. Um suspeito de 20 anos foi preso e será investigado por tentativa de homicídio e dano qualificado ao patrimônio.
Manifestação na Energisa
Sem uma solução e com os geradores em funcionamento, a população da favela decidiu realizar, no dia 15, uma manifestação em frente ao prédio da concessionária de energia elétrica. Mariana Gonçalves disse que manifestantes impediram durante a manhã e a tarde a entrada de funcionários no local e exigiram a garantia de que a favela continuaria a receber eletricidade. "Infelizmente não deu certo porque estávamos todos de 'cabeça quente' e nem a prefeitura, nem a Energisa entraram em acordo, ou seja, não houve solução".
A Energisa confirmou que suspendeu a energia após o incêndio. "Devemos considerar que o fato das instalações elétricas naquela região serem clandestinas, com acúmulo de fios em postes da rede pública e a instalação aglomerada dos barracos na região, compostos principalmente de materiais inflamáveis como madeira, plástico e papelões, tornam-se um risco potencial de incêndio e de fácil alastramento". A assessoria afirmou também que a responsabilidade não é da empresa e sim da prefeitura em resolver a questão.
Incertezas e luta por direitos
Mariana Gonçalves explica que não sabe por quanto tempo os geradores permanecerão na Cidade de Deus e nem se conseguirão resolver o problema. "Mobilizamos os outros membros da 'comissão de frente' da comunidade para pensarmos em uma maneira de exigir nossos direitos e conseguirmos o que precisamos".
Os representantes da comunidade, de acordo com Mariana Gonçalves, além de demandarem a volta e a normalização da energia elétrica no local, também desejam novas moradias. "Nós não temos tempo para continuar aqui, temos uma ordem de despejo que tramita na prefeitura". Os moradores da Cidade de Deus vivem sob lixo aterrado e, segundo a representante, "o local é considerado "área vermelha". Só queremos um lugar decente para morar e já manifestamos sobre isso; a luta pela energia elétrica é só o começo".