VIOLÊNCIA MULHER

Casos de violência doméstica crescem 413% durante isolamento social em Campo Grande

O estudo foi realizado com base em dados apresentados pela Coordenadoria de Estatísticas da Assessoria de Planejamento do Poder Judiciário de Mato Grosso do Sul, e aponta que o aumento ocorre pelo tempo integral de convivência entre vítima e agressor

Alíria Aristides, Lidiane Antunes e Nélida Navarro11/05/2021 - 23h00
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Campo Grande registrou aumento de 413% nos casos confirmados de violência doméstica de abril a julho de 2020, meses iniciais do isolamento social decorrente da pandemia de coronavírus, em comparação ao ano anterior. Segundo relatório divulgado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul (TJMS), foram registrados 16 casos de agressão à mulheres na Capital entre 21 de abril e 21 de julho de 2019. Neste mesmo período de 2020, 82 mulheres foram vítimas de violência na cidade.  

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública revela que 2.402 casos de lesões corporais contra mulheres foram registrados em Mato Grosso do Sul no 1º semestre de 2020. Conforme a publicação, no mesmo período, 7.512 mulheres sofreram ameaças. O documento aponta também que foram realizadas 7.002 ligações de vítimas de violência doméstica no número da Polícia Militar (190) no mesma época. O painel de Dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos contabilizou 5.977 denúncias por violência doméstica em 2020 no estado, a maioria foi feita por meio de ligações telefônicas. 

A delegada de Polícia e titular da primeira Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM) de Campo Grande, Fernanda Mendes afirma que mulheres economicamente ativas entre 20 e 41 anos são as que mais procuram ajuda diante de agressões físicas. Segundo a delegada, qualquer homem pode cometer a violência doméstica. “Não existe um tipo, temos casos de jovens e idosos agressores. Qualquer um está sujeito a ser autor desse crime. A maioria desses homens são abusivos, são dominadores na relação e vêem a mulher como um objeto”. Mendes orienta que as medidas cautelares que a vítima pode solicitar, em caso de descumprimento das medidas protetivas, são a retirada do agressor do lar, dos seus pertences e o não contato com parentes. 

A juíza titular da 1ª Vara de Violência Doméstica e Coordenadora Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica Familiar, Helena Coelho afirma que a violência doméstica começa com pequenas ações. “A violência doméstica é feita de escalada. Dificilmente, o homem começa pelo feminicídio. Ele começa pela injúria, destratando a mulher, passa para uma ameaça, puxa o cabelo, dá um empurrão. Vai para lesão, um enforcamento, uma mordida, um soco. O último degrau é o feminicídio”. De acordo com a magistrada, a violência é complexa e democrática, porque há um estigma de que só acontece com mulheres de baixa renda e escolaridade "Não existe um perfil da mulher que sofre violência doméstica, tanto que temos um caso emblemático da juíza que foi morta pelo marido na frente das três filhas, que então na prática tinha acesso à justiça e escolaridade elevada."

As categorias de crimes contra as mulheres registrados durante a pandemia mantiveram-se estáveis. De acordo com a delegada Fernanda Mendes, "o crime mais registrado é o de ameaça, seguido por lesão corporal. Nós tivemos no ano de 2020 em Campo Grande, aqui na Delegacia Especializada da Mulher, uma média de 7.300 boletins de ocorrências registrados durante todo o ano”. Mendes afirma que o trabalho de atendimento na delegacia continuou presencialmente mesmo nos períodos críticos da pandemia. “Sempre há uma equipe à disposição de todas as mulheres da capital". Ela informa que o acolhimento na DEAM começa desde a recepção, momento em que é oferecido um alojamento de passagem onde que mulher pode ficar com seus filhos em um local seguro durante 48h. Caso a vítima precise de mais tempo, é encaminhada ao abrigo em um local sigiloso.

A psicóloga Alaine Amaral informa que a mulher é encaminhada para o acompanhamento psicológico de intervenção breve focado na violência doméstica, feito pelo Centro de Referência de Saúde da Mulher (CEAM), quando faz o boletim de ocorrência e solicita a medida protetiva na delegacia. De acordo com a profissional, o acompanhamento a longo prazo é feito em consultório particular. “Quando essas mulheres chegam no atendimento particular, fazemos um acompanhamento mais longo, onde entramos em questões mais profundas como dinâmica familiar, questões de autoestima e como ela se relaciona com as suas emoções. Como psicóloga, eu percebo que as vítimas não conseguem lidar bem com a raiva, seja porque elas passam a ter medo da raiva do outro ou pela própria pressão social referente a mulheres quanto a elas sempre serem muito quietas, passivas”.

 

Primeira Notícia · Psicóloga Alaine Amaral comenta forma que sociedade trata violência doméstica

O governador de Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja (PSDB), sancionou em dezembro de 2020 a Lei nº 5.613, que prevê a implantação de protocolos de prevenção e acolhimento nos casos de violência doméstica contra mulheres e crianças durante a pandemia de covid-19. Estão previstas na lei a divulgação de canais de denúncias, disponibilização de canais de informação e orientação, instituição de programas de atenção e proteção às mulheres em situação de violência doméstica, especialmente àquelas que possuem medidas protetivas de urgência. A Lei determina a disponibilização de informações sobre higiene, prevenção e proteção para evitar o contágio por coronavírus. 

A juíza Helena Coelho afirma que campanhas voltadas às mulheres violentadas são desenvolvidas para todos os setores da sociedade, desde instituições até farmácias e salões de beleza. A campanha nacional Sinal Vermelho, idealizada pela Associação Médica Brasileira (AMB) em parceria com o Conselho Nacional de Juízes (CNJ), foi criada para que mulheres buscassem ajuda em farmácias durante o isolamento social, mas a iniciativa deu certo e se estendeu para outros setores sociais. O trabalho no estado é realizado em parceria com o Conselho Regional de Farmácia de Mato Grosso do Sul (CRFMS), a Associação de Farmácias e de todas as drogarias do município. 

Helena Coelho relata que as mulheres podem fazer a denúncia em qualquer estabelecimento. “A vítima que está em situação de violência pode se dirigir à farmácia com um X vermelho feito com batom, canetinha ou qualquer material que deixe um sinal vermelho. Apresenta esse X vermelho aos atendentes e estes já ligam para o 190 e acionam a polícia, que vão oferecer atendimento para essa mulher”. Coelho destaca que todas as mulheres devem ficar atentas a sinais excessivos de controle e ciúmes no relacionamento, porque são eles os indícios de que a mulher pode estar em uma relação abusiva

Canais para denúncias

A mulher vítima de violência pode denunciar por canais como o Disque 180, da Polícia Civil. A página na internet Não se Cale, do Governo do Estado, também disponibiliza questionário para a denúncia.  É possível fazer a denúncia online na Polícia Civil por meio de celular, no aplicativo MS DIGITAL, no ícone Segurança. O aplicativo está disponível nas lojas virtuais para versões IOS e Android

Diferença entre denúncias e boletins de ocorrência (B.O)

No boletim de ocorrência (BO), a polícia militar vai ao primeiro atendimento e leva as partes para delegacia, onde a ocorrência é esclarecida. Trata-se do registro de uma notícia crime, e a partir de onde instaura-se um inquérito para apuração dos fatos. Depois dos fatos apurados, o inquérito é encaminhado à Promotoria de Justiça. Caso comprovado o crime, a denúncia é oferecida à vítima e a partir daí inicia-se a ação penal no judiciário.

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