CIDADANIA

Pesquisadores e ativistas apontam subnotificações em pesquisa LGBTQIA+ feita em Mato Grosso do Sul

Pesquisa de 2019 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que 2% da população com 18 anos ou mais se autodeclara homossexual ou bissexual em Mato Grosso do Sul

Ayanne Gladstone, Débora Oliveira, Mariely Barros e Patrick Rosel 12/06/2022 - 19h52
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Pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2019 aponta que 2% da população com 18 anos ou mais se autodeclara homossexual ou bissexual em Mato Grosso do Sul. A pesquisa mostra que 3,7% dos entrevistados de Campo Grande se consideram homossexuais ou bissexuais, enquanto 90,9% da população se autodeclara heterossexual. A pesquisa analisa a estimativa do tamanho da população homossexual e bissexual de acordo com características socioeconômicas e níveis territoriais. 

A pesquisa teve abrangência nacional e os entrevistadores visitaram 108 mil domicílios. A pesquisa está sujeita a subnotificações e pode representar um número de pessoas LGBTQIA+ menor do que a realidade. Mato Grosso do Sul tinha 1,98 milhões de habitantes com 18 anos ou mais em 2019. De acordo com o panorama do IBGE, Mato Grosso tem cerca de 2,8 milhões de habitantes. 

Infografia: Ayanne Gladstone

O subsecretário de Políticas Públicas LGBT de Mato Grosso do Sul, Leonardo Bastos explica que os dados do IBGE retratam com imprecisão o número de pessoas bissexuais e homossexuais do estado. Ele afirma que pessoas LGBTQIA+ entraram em contato com a Secretaria para denunciar que deixaram de ser procuradas pelos pesquisadores do IBGE. “O Brasil de uma forma geral tem deficiência em dados oficiais ou censitários sobre a população LGBT. Isso é fundamental para que a gente conheça o nosso território e tenha estimativas oficiais sobre o número dessa população, para, a partir disso, ir direcionando e construindo indicadores para as nossas políticas públicas LGBT. Por se tratar de uma Pesquisa Nacional de Saúde, sabemos que esse dado de Mato Grosso do Sul é um dado subnotificado. Quando a notícia saiu, muitos LGBTQIA+ e instituições entraram em contato com a Secretaria relatando que não responderam a pesquisa”.

Segundo o professor do curso de Ciências Sociais e líder do Grupo de Pesquisa em Gênero, Sexualidade e Diferenças da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Thiago Duque a sexualidade é um tema pouco debatido em todo o território nacional. Ele explica que muitas pessoas escondem a própria orientação sexual por medo da violência ou por falta de conhecimento sobre o assunto. “Nós estamos em um momento em que a sexualidade não é debatida publicamente de um jeito sério como deveria ser. Há violência contra homossexuais e bissexuais no Brasil, e não só em Mato Grosso do Sul. Boa parte das pessoas preferem negar que sejam homossexuais e bissexuais, ou dizer que não sabe ou não se sente à vontade. Considerando que a gente não ocupou ainda todos os espaços de formação sobre sexualiade, há que se considerar que muita gente não sabe o que de fato significa ser homossexual e bissexual".

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Duque afirma que o poder público deve criar políticas públicas que visem o ensino sobre questões de sexualidade à população, e a fiscalização das leis existentes para punir pessoas que cometem LGBTfobia. Ele argumenta que a formação sexual também deve acontecer em âmbito técnico e científico dentro das escolas. “A intolerância ainda existe no Brasil porque nós fomos construídos enquanto nação para sermos intolerantes. É preciso muito mais esforços para uma mudança identitária mesmo. Não só em termos de sexualidade e gênero, como em raça e etnia, para que as pessoas consigam, enquanto diferentes, viver com segurança”. 

Infografia: Ayanne Gladstone

O maquiador e ativista LGBTQIA+, Edwin Salas afirma que o número de entrevistados que se recusaram a responder à pesquisa do IBGE representa uma parte da população de Mato Grosso do Sul que teme a violência após se autodeclarar LGBTQIA+. Dossiê do Observatório de Mortes e Violência Contra LGBTQI+ no Brasil aponta que o assassinato de homossexuais, mulheres transgênero e travestis entre 20 e 39 anos teve um crescimento de 33% no Brasil. “Em sua maioria, [Mato Grosso do Sul] é muito conservador e isso reflete nas nossas vivências e no nosso comportamento”. 

A estudante do curso de Psicologia da UFMS e ativista pelos direitos transgêneros e travestis, Galelo Garcia afirma que os dados sobre a LGBTfobia possuem subnotificações e que representam uma pequena parcela do registro factual de violência no Brasil. Ela declara que a população transgênero, transexual e travesti do país é maior do que as estatísticas apontam. “Nós temos dados de uma população bem grande e ainda assim esses dados não conseguem ser, de fato, reais sobre o tamanho da nossa população, do quanto estatisticamente as nossas vidas representam e importam dentro da realidade desse país, e o quanto a nossa existência é fundamental. Há a dificuldade de sobreviver num espaço em que tudo é sistematizado ao nosso redor para dizer que nós somos errados, que nós não devemos existir num espaço que também é nosso e o quão isso também é violento”. 

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A vendedora Aline Higa se autodeclara bissexual e afirma que a pesquisa realizada pelo IBGE isentou sua resposta e a de outros amigos LGBTQIA+, porque, segundo ela, todas as pessoas LGBTQIA+ de seu círculo desconhecem a pesquisa. Ela argumenta que, no meio familiar, as pessoas têm medo de se autodeclarar LGBTQIA+ por causa do preconceito, situação que prejudica a pesquisa do IBGE. “Eu acho que esses dados não condizem com a realidade. Eu não sei como é que foi feita essa pesquisa, mas talvez se foi feito no âmbito familiar, tenha rolado uma questão de preconceito e inibição dessas pessoas, porque eu tenho contato com muitas pessoas que são adolescentes onde eu trabalho, e a maioria sempre fala 'Eu não posso usar esse bottom ou essa bandana da bandeira LGBTQIA+ porque senão minha mãe me mata'. Eu creio que ainda rola muito preconceito no estado e que talvez isso iniba as pessoas de falarem mais abertamente sobre a própria sexualidade”. 

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Camille Reis*, que preferiu manter o anonimato porque permanece sem assumir sua orientação sexual para a família, é bissexual e afirma que, para quem mora em Mato Grosso do Sul, é ainda mais difícil se declarar LGBTQIA+. Ela argumenta que Mato Grosso do Sul é um estado que tem muitas pessoas intolerantes e homofóbicas, e que é preciso ter coragem para se assumir. “Morar em Mato Grosso do Sul é um desincentivo a você se autodeclarar LGBT. Você ser e falar que é lesbica, homossexual, bissexual, trans. Porque é um estado que tem um perfil de interior, que todo mundo se conhece e você conhece todo mundo. As pessoas olham feio e são muito homofóbicas”.

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Serviço 

O Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu que a Lei de Racismo deve contemplar os crimes de homofobia, lesbofobia, bifobia e transfobia, ou seja, crimes contra pessoas LGBTQIA+. Além da Lei de Racismo, os crimes de homotransfobia podem ser enquadrados no artigo 140 do Código Penal Brasileiro, como crime de injúria racial. 

Os casos de LGBTfobia são denunciados por meio de delegacias especializadas, ou com o preenchimento de um boletim de ocorrência em qualquer delegacia física ou virtual. A denúncia também é realizada por meio do Disque 100 ou Disque Denúncia 181 quando o crime de LGBTfobia é cometido em flagrante.  

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