Tempestade de poeira causou danos materiais para os moradores de Campo Grande e diversas famílias ficaram sem energia elétrica e sem abastecimento de água mais de 72 horas. Ventos de 94 Km/h provocaram tempestade que formou nuvens de areia e poeira. Comerciantes tiveram prejuízos financeiros em seus estabelecimentos devido a queda de árvores e destelhamento de várias lojas e fecharam por pelo menos três dias. O temporal foi provocado por uma frente fria que, em contato com o solo seco, formou nuvens de até 10 km de altura.
A tempestade de areia, também conhecida por Habub foi considerada um evento climático extremo, por ser incomum acontecer em Mato Grosso do Sul. Resultado de uma frente fria, ocasionada quando o ar frio se encontra com o ar quente que é comum no período de transição da estação de inverno para a primavera. As nuvens foram formadas após o ar frio se chocar com o solo ressequido, exposto por restos de vegetais, resquícios de areia, fuligem e pelo aumento de queimadas no estado. De acordo com a diretora geral de Comunicação Social da Prefeitura Municipal de Campo Grande (PMCG), Lidiane Kober e publicado em CG Notícias, a Central de Atendimento da Agência Municipal de Habitação e Assuntos Fundiários (AMHASF) recebeu 1.329 chamados em 24 horas após o temporal, ao todo foram contabilizadas mais 600 árvores caídas na capital.
A empresária e sócia da loja de produtos orgânicos Empório Pequi, Fabianne Fernandes teve a estrutura de gesso do teto danificada. “Nós conseguimos acionar o seguro, mas pagamos a franquia. Então tivemos um prejuízo estrutural e também tivemos que ficar três dias com a loja fechada [...] estávamos em atendimento na hora que começou a ventania, a gente se assustou bastante.”. O estudante do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Vinicius Reis teve os fios da rede elétrica de sua casa arrebentada pelos ventos. “Começou o vendaval de tarde, ficou tudo escuro, tudo marrom o céu, uma ventania aqui na região de casa, Guanandi II e no Aero Rancho, os fios começaram a arrebentar, começou a ficar um transtorno e na mesma hora já caiu a luz, às 15h00 e só voltou depois das 23h00 da noite [...] nem a rede móvel funcionava direito”.
A jornalista Thalia Zortéa passou cerca de nove horas sem abastecimento de água e 80 horas sem energia elétrica, em sua residência no bairro Vila Progresso. "Entramos em contato com a Energisa algumas vezes. Em um primeiro momento pelo WhatsApp e depois por telefone, mas nas primeiras vezes era apenas o bot informando que os serviços não tinham previsão para serem normalizados. Já no dia 16, 17 e 18 consegui entrar em contato com atendente e em todos os casos era a mesma coisa 'vamos abrir um chamado'. Entretanto, um vizinho meu conversou com os funcionários da Energisa [...] e não havia chamado ou comunicação de problemas cadastrados no sistema. No último dia que liguei, a atendente informou que o chamado constava como encerrado mesmo sem ter normalizado a situação. Foi abrindo novamente o chamado que conseguimos”.
A meteorologista do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Valesca Rodriguez Fernandes aponta que a causa da tempestade foi um fenômeno meteorológico chamado sistema convectivo de mesoescala (SCM). “A tempestade ocorreu devido a um sistema convectivo de mesoescala, que é um aglomerado de nuvens de chuvas. Este sistema meteorológico provocou uma intensa frente de rajada, que são ventos intensos que se propagam na frente do sistema de chuvas que ao entrarem em contato com o solo seco, encontram resquícios de poeira gerando a tempestade”. Para ela, esse tipo de fenômeno pode ser cada vez mais frequente. “Estima-se uma maior frequência de eventos extremos climáticos como tempestades tropicais, inundações, ondas de calor, seca, nevascas, furacões, tornados e tsunamis”.
O climatologista e professor dos cursos de Engenharia Ambiental e Geografia da UFMS, Julio Cesar Gonçalves entende que as circunstâncias do surgimento do evento são específicas. "As condições que propiciaram o surgimento da tempestade de areia foram principalmente as condições do solo muito ressequido e com baixa umidade, pois a região teve um dos invernos mais rigorosos dos últimos nove anos. Associado ao aumento de queimadas e incêndios no Pantanal e Cerrado e pela prática da agricultura, [pois] geralmente neste período de final do inverno e início da primavera, os agricultores aram o solo e deixam exposto”. Para o especialista, é preciso investir em praticas que diminuam os danos ambientais causados pelo homem, no planeta. “Não temos como conter estes extremos climáticos, mas cabe apenas aos gestores aumentar a antecipação destes cenários e estruturar melhor seus órgãos de apoio à população. Implementar legislação que permita e auxilie o combate ao aquecimento global, diminuição do desmatamento e combate eficiente das queimadas no Cerrado e Pantanal, principalmente [...] Já sabemos que os eventos climáticos extremos estão ficando cada vez mais frequentes, as temperaturas médias anuais do planeta estão subindo e o desmatamento continua aumentando. Mas acredito que ainda dá tempo de mudar. A ciência nos mostra não apenas as causas, mas também pode mostrar as possíveis soluções para trabalharmos em ações com potencial de mitigar ou diminuir estes impactos do homem na natureza do planeta”.