A Prefeitura Municipal de Campo Grande realizará a compra de alimentos da agricultura familiar local para doação às famílias sem acesso pleno e permanente à comida. Serão investidos R$ 650 mil, por meio do Programa de Aquisição de Alimentos, na compra de frutas, legumes e verduras. A Chamada Pública nº 01/2021 foi divulgada no Diário Oficial de Campo Grande (Diogrande) e estabelece 100 vagas, com o prazo para cadastro até esta quarta-feira (28). A Prefeitura da capital realizará o pagamento máximo de R$ 6,5 mil por produtor inscrito.
O Inquérito Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil aponta que a fome cresceu em Mato Grosso do Sul. A presidente do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional de Mato Grosso do Sul (Consea/MS), Camila Mazzeti diz que a insuficiência na produção de alimentos é determinante para a fome no estado. "Praticamente 70% da área agricultável do estado está voltada para commodities, produção de biodiesel, alimentação de gado etc. Assim você tem o comprometimento da agricultura familiar. O uso excessivo de agrotóxicos nessas lavouras podem interferir na produção do pequeno agricultor".
Estudo da rede Ceres2030 aponta que a produção familiar de alimentos auxilia no combate à fome. Conforme o documento, o fortalecimento desse tipo de produção tiraria quase 500 milhões de pessoas da fome global, além de dobrar a renda de 545 milhões de pequenos produtores de países mais pobres. Cerca de 60% dos estabelecimentos rurais são classificados como agricultura familiar em Mato Grosso do Sul, enquanto a média nacional é de 77%. Segundo o Censo Agropecuário de 2017 divulgado pelo IBGE, ocupam 3,91% da área total de terras disponíveis para cultivo, enquanto a média nacional é de 24,01%.
Para a pesquisadora de espaços rurais e professora do curso de Geografia na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Ana Paula Correia de Araújo a fome está vinculada à políticas públicas, renda e emprego. “A solução passa por políticas de inclusão e acesso que garantam renda mínima necessária para a sobrevivência e reprodução social”. Ana Paula Araújo acredita que as hortas comunitárias, quintais verdes e o aumento da produção de alimentos básicos são um dos caminhos para o combate à fome.
Segundo a pesquisadora, a agricultura de pequeno porte do estado, focada na alimentação básica, está localizada em áreas de assentamento rural, pois grande parte das terras servem para a exportação de produtos como soja e milho. “Os assentamentos são fundamentais e mesmo assim não conseguem suprir o mercado consumidor local. Se você olhar para a Central de Abastecimento de Mato Grosso do Sul (Ceasa/MS), apenas 40% da mercadoria é produzida aqui. A gente importa do Paraná e São Paulo, sobretudo”.
Agricultura familiar
O Centro de Capacitação e Pesquisa Geraldo Garcia (Cepege) é uma das iniciativas de agricultura familiar em Mato Grosso do Sul. O Cepege está localizado em terras destinadas à reforma agrária a cerca de 80 quilômetros de Campo Grande, no município de Sidrolândia. Ele atende demandas de famílias acampadas e assentadas do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), desde 2002.
O Cepege possui duas famílias na produção. Uma delas é a do estudante do curso de Licenciatura em Educação do Campo, na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Bruno Diniz que atua na coordenação executiva e na direção do setor de educação do espaço. “O centro de formação vem nessa perspectiva de contribuir com a formação, com a pesquisa e capacitação dos assentados. E também contribuir com as questões da reforma agrária”.
As famílias trabalham com produtos agroecológicos, uma forma de agricultura sustentável e orgânica que incorpora questões sociais, políticas e ambientais. Diniz acredita que a agroecologia coloca a alimentação saudável em pauta. “Normalmente, monoculturas [plantações de um tipo só] usam veneno, não respeitam a vida no solo. A agroecologia vai na contramão disso, ela vai respeitar os processos da natureza”.