Lei estadual obriga as concessionárias, operadoras dos serviços de telefonia fixa, telefonia móvel, internet e TV por assinatura a cancelarem a multa contratual de fidelidade quando o consumidor comprovar a perda do vínculo empregatício, após a adesão do contrato. A lei, de autoria do deputado estadual João Henrique Catan (PL-MS) e publicada no Diário Oficial do Estado de Mato Grosso do Sul (Doe-MS), entra em vigor em dezembro deste ano. Conforme o texto da lei, as concessionárias infratoras receberão multas diárias de 100 Unidades Fiscais Estaduais de Referência de Mato Grosso do Sul (Uferms), equivalente a, aproximadamente, R$ 2.877,00. O governador de Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja (PSDB) sancionou a Lei nº 5.387 no dia 4 de setembro.
Segundo estudo do Serasa Experian, o número de endividados em Mato Grosso do Sul cresceu aproximadamente 5% de março de 2018 a março deste ano. A pesquisa evidencia que 38,4% da população adulta sul-mato-grossense estava inadimplente em junho de 2019 e no mesmo mês no ano passado este índice era de 37,7%, o que representa aumento de cerca de 1,85%. Mato Grosso do Sul está em 17º lugar no ranking de inadimplência por unidades federativas.
Conforme o balanço, cerca de 63 milhões de brasileiros foram declarados inadimplentes em março de 2019. O estudo aponta também que 40,3% da população adulta do Brasil está com dívidas atrasadas e negativadas. A pesquisa do Serasa ainda mostra que as dívidas atrasadas com telefonia foram as mais altas entre todos os setores em 2019. Bancos e cartões (28,1%) tiveram maior representatividade. As dívidas inadimplentes e negativadas no segmento de telefonia (13,2%) tiveram maior crescimento, 1,6 ponto percentual na comparação com o mesmo mês em 2018.
O deputado João Henrique Catan (PL-MS) afirma que o Estado tem o dever de amparar o consumidor desempregado. "O objetivo deste projeto é respeitar os consumidores que estejam em condições de vulnerabilidade, que queiram cancelar o contrato por questões financeiras e que são obrigados a manterem um vínculo até o fim do prazo estabelecido pela empresa, não importando se terão que arcar com custos em prejuízo de sua família, ou por situações inesperadas".
O parlamentar destaca no texto do Projeto de Lei nº 77, de 16 de abril de 2019, que originou a lei sancionada, que a principal justificativa para a proposta é "a crise política e econômica em que o Brasil se encontra. Quem mais sofre no final das contas são o consumidores que, ao ficarem desempregados e com a renda familiar reduzida, sofrem para conseguir terminar o mês e acabam ficando endividados".
A empregada doméstica Solange Adelina da Silva explica que se demitiu por motivos familiares, endividou-se e que seria beneficiada pela lei sancionada. “Meu filho ficou doente, minha chefe me despediu após fazermos um acordo, já que precisava cuidar dele. Não tive direito a férias, nem algum tipo de acerto. Comecei a ter dívidas de tudo quanto é tipo, como água, luz e telefone".
Catan ressalta que a lei ampara o consumidor juridicamente. Ele explica que a lei fiscalizará instituições e empresas como forma de comprovação de que o cidadão perdeu o vínculo empregatício. "Quem tem que provar que o consumidor não está com a razão é a empresa. Basicamente, o trabalhador terá de comprovar que foi desligado de uma empresa com um contrato, vínculo, sem vínculo, baixa na sua documentação, sua rescisão". O deputado salienta que as empresas serão fiscalizadas por meio da Superintendência para Orientação e Defesa do Consumidor (Procon-MS). "A diferença entre uma lei que 'pega' e uma lei que 'não pega', por mais absurdo que possa ser, é se você coloca nela uma sanção, uma penalidade exatamente para aquelas pessoas que não cumprem a lei".
A ex-auxiliar administrativa Caroline Paes relata que teve dificuldade após ser demitida e precisou arcar com as despesas. “Fui demitida há menos de um mês. Eu havia me programado, enquanto trabalhava, e dei entrada em um carro e apartamento. O meu plano de celular era pós-pago, e depois que fui demitida, tive que cancelar e deixei no pré-pago. Agora que estou desempregada, estou vendo como farei para pagar todas essas dívidas”.
O mecânico Paulo Rogério explica que foi demitido do emprego por diminuição no ritmo de produção. “Trabalhava com radiadores e refrigeração. Fui demitido porque não tinha serviço, e aí acontecem os cortes. Tenho plano de celular da Claro, custa R$ 49,90. Preciso do telefone e principalmente da internet, até mesmo para arranjar um outro emprego. Deixei de pagar algumas vezes. A conta vence dia 20, se até dia 5 você não pagar, cortam e nem procuram saber o que aconteceu”.
O economista Luiz Cláudio Brandão afirma que as empresas devem se encarregar dos valores repassados aos usuários beneficiados pela lei. Segundo ele, a legislação faz com que clientes e a empresa arquem com os custos indiretamente. “Se a empresa começar a ter prejuízo, ela fecha as portas, diminuindo arrecadação tributária e oferta de empregos. Pode ser que a empresa não arque com isso, ela dilua este custo entre os demais usuários, e neste caso a consequência é que outros consumidores pagarão o preço majorado para ter aquele mesmo serviço". Brandão ressalva que uma medida como esta obtém impactos negativos tanto para as instituições envolvidas, quanto para os consumidores.
O deputado João Henrique Catan avalia que os custos operacionais para que o Poder Judiciário atue na fiscalização e defesa de consumidores são maiores. "O cidadão paga seus impostos para manter o poder judiciário, onde funcionários recebem um salário grande para julgar uma coisa que é óbvia. Quem não tem condições de custear um advogado, terá um defensor público custeado pela população para reconhecer a ação. Multiplica isso por milhares de ações judiciais semelhantes. Custa muito mais caro para a sociedade do que para qualquer empresa".
Catan afirma que o Estado intervém em situações em que empresas cobram taxas abusivas. "Alguns críticos dizem que quando a mão do Estado intervém no mercado ela é prejudicial. Nem sempre, porque o mercado se auto-inventa. Se elas [empresas] estão praticando algum tipo de posicionamento excessivo, perverso contra os consumidores, o Estado pode intervir aqui e ali, mas nem sempre precisa ser o Estado".
O supervisor de operações telefônicas da empresa Brasil Telecom Call Center (BTCC), Victor Ferezin explica que a lei tem como prioridade o consumidor ao invés da empresa de telefonia. "Difícil falar sobre ajudar as empresas com essa lei, porque o objetivo dela não é esse e nem tem porque ser. A lei aumentará o índice de retirada de valores devidos mediante contrato, mas que por alguma situação atípica não pode mais ser cobrado. Isso 'tira' dinheiro da empresa na visão dela mesma, mas existem projeções de redução do índice de inadimplência por causa dessa nova lei".
Ferezin relata que parte considerável de reclamações recebidas são feitas por inadimplentes. "A reclamação tem certa frequência sim, cerca de 10% das reclamações. E sempre são os maiores valores reclamados em números absolutos". O supervisor ressalta que os valores dessas multas podem ser um problema para as pessoas com dificuldades financeiras. "Precisaríamos definir o que significa alto, mas se comparar o valor da multa com o valor da fatura, ou com o próprio salário mínimo, ela sim é bem alta. Contudo é necessário lembrar que a multa é proporcional, logo, quanto menos tempo de fidelidade resta, menor ela fica".
O professor do curso de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Rogério Mayer explica que a lei é uma norma de proteção ao consumidor. “É uma lei muito interessante porque ela atende um mandamento da Constituição que determina que o mais importante da ordem jurídica é a pessoa humana”. Ele ressalta que o desempregado terá dificuldades no momento de comprovar sua condição financeira para se enquadrar na lei. “Existem algumas dificuldades, não basta a pessoa chegar na operadora e afirmar que está desempregado, a pessoa tem que demonstrar essa situação por intermédio de um documento hábil”.