Mato Grosso do Sul registrou um aumento de 20% nas vendas de produtos eróticos e artigos de sex shop em compras realizadas virtualmente e em lojas físicas. As compras neste setor cresceram devido ao isolamento social imposto pelos decretos estaduais n. 10.124 e n. 10.461, em decorrência da pandemia do Covid-19. A aquisição destes produtos aumentou cerca de 33% na comparação de março de 2020 a outubro do mesmo ano.
Conforme com dados divulgados pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Mato Grosso do Sul, Sebrae-MS, sobre impactos do Coronavírus sobre o comércio de bens e serviços do estado, a mesorregião Centro-Oeste registrou aumento de 42% no faturamento do comércio em geral, o que inclui as vendas de produtos eróticos e artigos de sex shop, e Mato Grosso do Sul obteve crescimento de 16%. De acordo com a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de Mato Grosso do Sul, Fecomércio - MS, lojas que entregam a domicílio, sem intermédio dos Correios e em pacotes discretos, foram uma das modalidades de venda que mais cresceu durante a pandemia.
Para a economista do Sistema Fecomércio - MS, Daniela Teixeira houve ampliação na procura e comercialização de produtos eróticos em Mato Grosso do Sul durante a pandemia . “Quando falamos destes itens especificamente, percebemos um aumento da demanda desde o ano passado, em torno de 20%. E este aumento está muito relacionado à própria questão do isolamento, distanciamento social, que fizeram com que as pessoas tivessem outros comportamentos e outras necessidades, dentre eles alguns relacionados ao consumo de produtos eróticos”.
Segundo Daniela Teixeira, o maior número de vendas pode ser resultado de uma mudança comportamental do comprador. “Percebemos este momento econômico para o mercado erótico como uma alteração comportamental e de demanda do consumidor”. A economista pontua que houve crescimento expressivo nas vendas virtuais e também em lojas que disponibilizam entrega a domicílio para o cliente.
A estudante do curso de Biologia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, UFMS, Lauanne Martins mora em Campo Grande e fundou sua loja virtual de produtos eróticos, a Ossessione Sexshop, durante a pandemia, em agosto de 2020. “Estudava sexualidade humana há um pouco menos de um ano, fora da faculdade. Sempre quis experimentar produtos eróticos, mas sempre foi algo inacessível. Juntei um dinheirinho e comprei meu primeiro vibrador e mais outros produtos eróticos por atacado na internet no início do ano passado. Isso me fez perceber que existia uma necessidade. Pobre não pode gozar neste país? Parecia que não. Pelo menos não aqui em Campo Grande”.
Lauanne Martins explica que a Ossessione foi criada para suprir a carência que existia no mercado local, que vendia produtos eróticos a preços muito altos. “Tive a ideia de vender produtos eróticos num valor acessível de forma online, pelo Instagram. Fiz o primeiro investimento com meu namorado, que virou meu sócio, com base em uma enquete que fiz na rede social, perguntando o que os seguidores mais tinham vontade de experimentar do mundo erótico".
A estudante relata que no primeiro mês as vendas foram feitas apenas para amigos, e no mês seguinte para amigos de amigos e assim a clientela aumentou. “O fato de eu já ter certo conhecimento para falar sobre sexualidade ajudou muito nas primeiras vendas e assim que viram os valores bem acessíveis os clientes espalharam a novidade". Para a empreendedora, o isolamento social alavancou a demanda de trabalho. “A quarentena deixou tudo monótono, quem estava em relacionamentos queria inovar e quem estava solteiro buscava formas de se satisfazer sozinho. E o movimento continua firme e forte hoje, com clientes fiéis que estão sempre buscando novas experiências e clientes novos que estão em busca de sair da rotina.”
Lauanne Martins usa o perfil da Ossessione nas redes sociais para vender e também compartilhar dicas e informações sobre sexualidade. “Eu senti um impacto muito grande que a Ossessione Sexshop causou em várias pessoas. No perfil da loja trago conteúdos que mostram e comprovam que sexualidade é algo normal, e que só vemos com maus olhos por causa da cultura patriarcal e repressora que vivemos. Sempre recebo feedbacks de pessoas falando que estão vendo o assunto de forma mais natural graças aos conteúdos da loja e que quebraram bloqueios que tinham em relação aos produtos eróticos. Também vejo pessoas falando mais sobre sexualidade, coisa que eu não via antes. Muita gente comentando ‘nossa, você viu o que a Lauanne falou?’, ‘você tem que ver aquele post da Ossessione Sexshop’ ".
A empreendedora do setor erótico relata que há diferenças de comportamento entre clientes homens e mulheres. “Normalmente homens ou são bem diretos, fazem o pedido e compram bem rápido, ou querem comprar para dar de presente para namorada/esposa e apimentar a relação, aí eles perguntam o que as mulheres mais gostam, esses são os que mais investem no prazer. Já as mulheres conversam mais, porque querem saber qual é o melhor vibrador, como usar os produtos. As mulheres são as que mais procuram dicas e ajudas sobre relacionamento também”.
Lauanne Martins cita situações de discriminação por trabalhar com o mercado erótico. "O preconceito de ser uma mulher neste ramo, também foi uma das coisas difíceis no início. Foi um choque para todos saber que falo sobre sexualidade de forma natural, chegaram a me chamar de imoral e que isso não era trabalho de verdade. Depois teve ocorrências com motoristas de entrega por aplicativo, por onde envio os pedidos. Já aconteceu de perguntarem o que era e cancelarem a corrida quando souberam que era de sexshop”.
Thiago*, nome fictíco para preservação da fonte, admite que a vontade de experimentar produtos eróticos existia antes da pandemia e acabou por realizar sua primeira compra durante este período. “Nunca fui a uma loja física de produtos eróticos, inclusive fiz minha compra pela internet. Nunca tinha falado sobre usar esses ‘brinquedos’ com ninguém, nem em conversas mais descontraídas, mas quando decidi comprar pedi indicação de uma amiga próxima.”
Thiago* encoraja as pessoas a experimentar produtos do mercado erótico, independente do estado civil. “Eu namoro há três ano, e ainda sim recomendo muito as pessoas entenderem mais sobre esse meio e usar, principalmente quem busca novas experiências e sensações. Explorar regiões do seu corpo de diferentes formas é algo muito interessante, seja sozinho ou acompanhado, a experiência é muito válida”.
A jornalista Yorrana Della Costa é fundadora e criadora de conteúdo do Papo de Vênus, perfil nas redes sociais que desmistifica a sexualidade feminina e os tabus acerca do tema. Ela começou a se aprofundar nos estudos de gênero quando cursava Jornalismo na UFMS. A criadora de conteúdo percebeu um aumento considerável no engajamento da página com a pandemia, criada em março de 2019. "Acho que por conta das pessoas estarem mais dentro de casa, e terem de olhar mais para sua própria sexualidade, e também ficar mais próxima das redes sociais. Então, começou o número de seguidores e os números a aumentar consideravelmente em relação a antes".
Yorrana Della Costa analisa que o Papo de Vênus, nome oriundo da alusão ao livro "Os Homens São de Marte, as Mulheres São de Vênus" de John Gray, possui faixa etária variada do público feminino. "No geral, as mulheres que me seguem tem de 18 a 52 anos, mas em sua maioria é de 25 a 40 anos. São as pessoas mais ativas no perfil". O espaço virtual possui um porcentual de seguidores homens heterossexuais, ainda que 85% da audiência seja do público feminino. "Já recebi mensagens, nas quais perguntavam sobre libido, sobre penetração e várias outras coisas ligadas a sexualidade que a gente tenta dismistificar no Instagram".