EDUCAÇÃO SUPERIOR

Acadêmicos ocupam bloco de aulas na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

Alunos ocuparam a Unidade como forma de protesto aos cortes de verba na educação superior e ao programa Future-se do Ministério da Educação

Gabriela Dalago e Gabrielle Tavares Rodrigues26/09/2019 - 19h16
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Estudantes da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) ocuparam, no dia 24 de setembro, bloco da Instiuição como forma de protesto contra os contingenciamentos do Ministério da Educação (MEC), e ao programa Future-se. Alunos de doze cursos estão presentes na Unidade 6, que fica localizada ao lado da Biblioteca Central. As portas estão fechadas e cobertas por cartazes com frases contra o presidente Jair Bolsonaro, somente estudantes podem entrar no local.

A movimentação entre os acadêmicos da Universidade ocorre desde os primeiros cortes de verba para educação superior e se intensificaram após o cancelamento da reunião do Conselho Universitário (COUN), em que o programa Future-se seria discutido. A reunião estava prevista para o dia 27 de setembro e foi remarcada para dia 31 de outubro. Um dos participantes da ocupação, Pedro Silva* afirma que os alunos vêem a alteração da data como uma tentativa da Reitoria de evitar um posicionamento sobre o programa. “A gente ocupou o bloco como uma forma de pressionar e cobrar da administração da Universidade uma posição, e principalmente, uma posição contrária ao Future-se”.

Os alunos pretendem integrar toda a comunidade acadêmica (Foto: Comitê de Comunicação)

A ocupação conta com cerca de 80 alunos que se organizam entre as comissões de política, eventos, segurança, limpeza e alimentação para manter a ordem e conseguir atender todas as demandas. A estudante Júlia Cerqueira* afirma que os acadêmicos ficam no bloco de acordo com o tempo que tem disponível. “Para dormir é rotativo, não tem uma escala certa, depende da disponibilidade das pessoas e tudo mais. E aí a cada dia pode dormir um, às vezes revezamos também, porque a galera tá meio cansada”. De acordo com Júlia Cerqueira, o objetivo da ocupação é defender a Universidade para que ela continue gratuita e democrática. “A importância da participação de cada estudante da Universidade é realmente o de lutar e estar aqui para defender para que eles mesmos continuem estudando, porque a gente defende uma universidade pra gente, e não uma só pra quem tem dinheiro e só pra uma elite”.

Os estudantes aguardam posição da Reitoria da UFMS sobre os cortes de verba nas universidades públicas, realizados pelo Governo Federal no início deste ano e que prejudicaram o pleno funcionamento das Instituições. A acadêmica participante da ocupação, Ana Paula Pereira* ressalta que a falta de posicionamento da Universidade demonstra conivência. “Essa omissão de opinião deles, acho que vai muito mais pro lado de concordar com tudo que está acontecendo, do que de tentar barrar, porque quando a gente precisa barrar alguma coisa a gente age imediatamente”.

O membro do comitê de Comunicação da ocupação, Pedro Silva* declara que na primeira noite da ocupação um manifesto com a opinião e motivação dos acadêmicos foi publicado e encaminhado à Reitoria sem qualquer resposta. “Tudo que a gente recebeu até agora, no mesmo dia que a gente ocupou, foi um documento pedindo pra gente desocupar e entregar o bloco”. O acadêmico ressalta que a Universidade desligou a energia elétrica da Unidade na terça-feira à noite, dia 24, e por volta das 11h do dia 27 de setembro cortaram o fornecimento de água. “Até agora a gente não teve nenhum tipo de problema com a segurança da Universidade, o único empecilho colocado pra gente foi o corte da luz. No começo a gente entendeu como sendo parte da política de economia de energia da Universidade, mas depois  a gente percebeu que os outros blocos estavam com luz, e que foi só aqui".

Ameaças à educação

Estudantes proibiram fotos dentro do local por medo de represálias (Foto: Gabrielle Tavares Rodrigues)

Em maio deste ano a UFMS informou em nota que o MEC contingenciou cerca de 30% de recursos orçamentários, o que totaliza quase R$ 30 milhões. O programa Future-se foi lançado no dia 17 de julho como alternativa à falta de recursos devida ao corte de verbas. O projeto tem como objetivo dar autonomia financeira às universidades e institutos federais, por meio de limite de gastos com funcionários, permissão para que prédios nas universidades tenham nome de empresas e patrocinadores, e propiciar meios para que departamentos das instituições arrecadem recursos próprios.

Júlia Cerqueira afirma que a restrição às universidades federais é inadmissível e que é preciso pensar em uma Instituição que seja mantida para as próximas gerações. “Tem muita realidade aqui dentro de gente que é a primeira pessoa da família a estar cursando uma universidade pública. Não sei se é só a minha percepção, mas é um tanto absurdo você, em 2019, ser a primeira pessoa a estar cursando uma universidade pública. Então eu acho que essa tem que ser uma realidade que comece a abranger mais ainda as pessoas de todas as classes”.

A acadêmica enfatiza que a ocupação é a favor da UFMS e contra o programa Future-se, que é importante estimular o envolvimento de toda a comunidade, para que todos possam compreender do que se trata. “Tem muito distanciamento das pessoas quanto à uma ocupação, e até quanto à defesa da universidade mesmo, também pela política do governo atual né, que tenta fazer com que a gente seja só balbúrdia, e não mostra a realidade do que a gente tá fazendo aqui”.

A coordenadora geral do Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Fundação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e Institutos Federais de Ensino de Mato Grosso do Sul (Sista), Cleodete Candida Gomes defende que os cortes de verbas foram uma medida para precarizar o ensino e espaço físico das universidades. “Todo processo de privatização começa assim, começam a cortar orçamento, estagnar, fechar a fonte de recursos. Então precariza e sucateia a Universidade para justificar para a sociedade em geral que a privatização é a melhor saída. E na verdade não é, basicamente dentro do projeto está a entrega da Universidade para uma organização social”. 

Ela relata que o projeto prejudicará a qualidade de ensino das instituições, por permitir a contratação de docentes sem concurso público e sem necessidade de mestrado ou doutorado. “Ele [professor] simplesmente precisa ter um título de mérito, como se ele fosse entendido de um assunto. As contratações serão realizadas por meio de Consolidações das Leis do Trabalho (CLT), e poderão ser contratações por hora aula. Assim não tem compromisso com a instituição, não vai ser dedicação exclusiva para a universidade”.

A coordenadora enfatiza que as especificações do programa são vagas, sem explicações aprofundadas de como as medidas serão tomadas. “O técnico administrativo é citado apenas uma vez no Future-se. Ele fala que os técnicos poderão ser cedidos a essa empresa, simplesmente passar de servidor público da Universidade Federal, para trabalhador da empresa tal e seguir o regimento e as leis dessa empresa. É um futuro incerto”. Ela diz também que é um projeto inconstitucional, por estar assegurado que a posse em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público. “É inconstitucional, é imoral, é totalmente antidemocrático”.

Cartazes fixados no Bloco ocupado pelos estudantes (Foto: Gabriela Dalago)

Ela ressalva que o incentivo de empreendimentos nas universidads prejudicam áreas de ciências humanas e da saúde. “Os cursos que realmente conseguem produzir algum produto para mercado, com valor de mercado e negociável, vão ser possivelmente os cursos das áreas de informática, tecnologia. A saúde produz cuidado, assistência. A área de humanas produz conhecimento, pensamento crítico. E não tem como negociar isso”.

A professora do curso de Geografia da UFMS, Ana Paula Araújo participou de uma roda de conversa no dia 26 de setembro no bloco 6, e afirma que a construção do programa Future-se foi feita de forma antidemocrática, com a falta de diálogo com a comunidade acadêmica e sem respeito à aspectos de regionalização de cada instituição pública do país. “Infelizmente o Future-se é um projeto de cima para baixo, muito pouco discutido. Portanto, quer dialogar vamos dialogar. Vamos construir juntos um projeto que dê mais condições de democratização deste país”. 

Em nota, a UFMS disse que manifestações fazem parte do processo democrático, que a atual gestão defende a universidade pública, gratuita e de qualidade, e manifesta apoio às práticas da comunidade universitária que reafirmam para toda sociedade a relevância da Instituição. Informa também que protestos com ocupação e restrição do uso de salas e laboratórios violam o direito individual e coletivo da comunidade acadêmica, e que interferir no funcionamento da UFMS é inadequado para o ambiente público. 

A UFMS foi a única universidade do estado  classificada no ranking das melhores universidades do mundo, criado pelo Times Higher Education, instituição britânica especializada em educação. O estudo foi realizado com base em dados coletados em março de 2019, antes dos cortes, e leva em consideração critérios como ensino, pesquisa, repasse de conhecimento à outras instituições, inovação, interação com setor produtivo e internacionalização. 

Nota da UFMS na íntegra

A livre manifestação das entidades representativas de docentes, técnicos e estudantes é parte do processo democrático. Entretanto, é imperativo preservar a imagem da nossa UFMS e assegurar o funcionamento da Instituição, garantindo a realização das suas atividades acadêmicas, o ambiente administrativo adequado, além das atividades essenciais, em laboratórios, clínicas, museus, hospitais universitário e veterinário.
Manifestações baseadas em ocupação e/ou restrição ao uso de salas e laboratórios violam o direito individual dos integrantes da comunidade universitária e o direito coletivo da própria comunidade, interferindo no funcionamento da UFMS, o que não é adequado para o ambiente público.
A administração da UFMS se opõe a qualquer tipo de restrição e/ou impedimento que coloque em risco o patrimônio público e a segurança das pessoas, prejudique a imagem institucional, e impeça a realização de atividades acadêmicas de qualquer natureza.
A atual gestão da UFMS defende a universidade pública, gratuita, de qualidade e plural, e, por isso, manifesta apoio às boas práticas da comunidade universitária que reafirmam para toda sociedade a relevância da UFMS, a melhor universidade de Mato Grosso do Sul e uma das melhores do mundo!

*Nomes fictícios

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