AMEAÇA ÀS ESCOLAS

Escolas da rede estadual de Campo Grande notificaram ameaças de atentado

Ameaças foram realizada por meio de mensagens no Whatsapp e alteração dos nomes de redes Wi-Fi

Claiane Lamperth, Gabriela Santos e Lyanny Yrigoyen 4/05/2019 - 16h17
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Escolas da Rede Estadual de Ensino de Campo Grande (MS) receberam ameaças de atentado por meio de mensagens de WhatsApp e nome de redes Wi-Fi. A maioria das ameaças aconteceram por meio de nomes de redes de internet móvel, que traziam as palavras “MASSACRE”, seguida da inicial ou nome da escola e horário. O primeiro caso foi notificado no dia 20 de março e o último no dia 10 de abril deste ano, por meio de Boletim de Ocorrência realizado pelos diretores.

Janaína Pouso explica o processo de investigação
(Foto: Gabriela Santos)

De acordo com o artigo 147 do Código Penal Brasileiro, essas ameaças são consideradas crime. A advogada especialista em direito penal e processo penal, Janaína Pouso, esclarece que nesses casos o menor infrator pode responder por outros atos infracionais além da ameaça. “Essa pessoa vai ser encaminhada à Delegacia da Criança e Adolescente, lá vai ser aberto um inquérito para apurar esses fatos, para saber qual crime ela cometeu. Se é uma ameaça, um ato infracional de ameaça, artigo 147 do Código Penal, ou outra tipificação criminal. Porque depende muito, são vários tipos específicos, dependendo do que ela fez. Incitação ao crime, ameaças, são vários crimes que ela pode responder dependendo do caso em concreto”.


Janaína Pouso explica que, por se tratar de um ato infracional de menores de idade, a punição aos autores é feita de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Eca). “O menor de idade ele não é preso, ele é apreendido, e o Estatuto também prevê algumas medidas sócio-protetivas. O que seriam essas medidas? Vai de uma advertência até a ser detido, no caso das Unidades Educacionais de Internação, ele fica apreendido. Esse período que ele pode ficar no máximo, se for condenado num ato infracional, é de até três anos”.

A advogada afirma que as escolas necessitam de uma equipe multidisciplinar que ajude na prevenção e combate da violência no ambiente escolar. “Eu entendo que a solução de prevenção nesses casos, já que é difícil você tocar a família para aumentar o diálogo com seus filhos, seria a escola ter uma equipe multidisciplinar de psicólogos, terapeutas e professores qualificados para conversar, dialogar com esses alunos. Porque muitos são vítimas de bullying e violência na escola. [...] O mal do Brasil é que espera acontecer o pior, para depois remediar, sendo que a prevenção ainda é o melhor caminho”.

Um adolescente, autor de uma das ameaças, teve dificuldade em informar os motivos que o levaram a enviar mensagem que iria reproduzir o massacre de Suzano (SP) em sua escola. “Eu disse no impulso, não pensei nas consequências. Eu não tinha pensado em nada, como fazer ou onde conseguiria as coisas. Só mandei uma mensagem no WhatsApp para o meu amigo dizendo que faria o mesmo aqui". O aluno que recebeu a mensagem avisou os pais, que alertaram a direção da escola e o diretor fez boletim de ocorrência. O adolescente ficou apreendido em uma Unidade Educacional de Internação (Unei) por 12 dias, período em que foi investigada a possibilidade de ligação entre este e os outros casos. O julgamento do menor acontecerá neste mês. 

A psicanalista Katiuscia Kintschev explica que é necessário conversar sobre os assuntos para que a reflexão seja promovida nas escolas e na sociedade. “Nós temos que ter cuidado ao falar sobre suicídio e também sobre o que envolve esses casos, como o de Columbine nos EUA ou Suzano (SP), porque podem dar ideias, mas temos que falar sem o tabu ‘não vamos falar sobre tal coisa porque vai aparecer na nossa frente’. Pois, aquilo que não falamos nós imaginamos e coisas imaginadas não tem limite. Ao falar sobre um assunto colocamos bordas, como o muro em volta de em um poço. Isso não significa que ninguém vá cair, mas é um aviso. Falar de violência, traumas, mazelas sociais não diz que o problema acabou, mas possibilita que a população pense sobre o que está acontecendo e saiba do que se trata”.

A psicanalista explica que o período entre a infância e a fase adulta é o momento em que a busca por identificação é maior e que pode haver a imitação daquilo escolhido como referência.

Um professor da rede estadual, que terá sua identidade preservada por motivos de segurança, relatou que os alunos encontraram durante o período da aula uma rede wi-fi que tinha como nome a palavra “massacre” seguida do nome da escola e hora, em seguida os professores foram notificados. “Muitos alunos entraram em pânico, pensaram que morreriam, alguns chegaram a passar mal. Os alunos avisaram os pais e muitos deles chegaram apavorados pensando que os filhos estivessem mortos, teve mãe que se envolveu em um acidente de carro por causa disso. Eu fiquei assustada, mas precisei encontrar uma forma de acalmá-los".

Katiuscia Kintschev acredita que esses casos precisam ser tratados com seriedade pela incapacidade de saber se a ação será executada. “Um sujeito que troca o nome da rede de Wi-Fi para ‘eu vou explodir a escola às 14h14’, ele quer mandar um recado que, assim como o suicídio, nós não sabemos se é um blefe ou não. Nós não podemos encarar uma ameaça como um simples blefe, isso tem que ser levado a sério e investigado. Ao mesmo tempo, nós não podemos parar a vida e deixar esse caos ser instalado, é preciso tentar fazer com que tudo continue". 

O assessor da Secretaria de Estado de Educação (Sed) de Mato Grosso do Sul, Cezar Luiz Vendas Galhardo deixou de fornecer informações sobre os casos e o assunto por ser uma situação de vulnerabilidade. “Informo que, por se tratar de uma situação de vulnerabilidade, tanto dos alunos, quanto professores e diretores, a Sed não contabiliza ou fornece informações a respeito. Os eventos são tratados internamente e de forma individual, lembrando que lidamos com menores de idade, em quase sua totalidade”. Galhardo explica que, quando o autor da ameaça é identificado, a escola é orientada a chamar os pais e, se necessário, o estudante é encaminhado à Coordenadoria de Psicologia Educacional.

Iniciativa

O Colégio Adventista Jardim dos Estados (Caje) de Campo Grande, com apoio do Corpo de Bombeiros Militar (CBMMS), realizou um treinamento de evacuação ao simular uma situação de atentado dentro da escola. O diretor do Colégio, Lucas Bittencourt explica que o treinamento antiterrorismo serviu para complementar o projeto de segurança da escola e auxiliar no combate à violência. “Essa concentração faz parte do cronograma e agenda da escola, prezando pela segurança dos alunos e funcionários, ou seja, da comunidade local escolar. A principal motivação surgiu ao identificarmos o contexto no qual vivemos hoje, em relação ao mundo, com isso veio a busca pela conscientização de quem o ser humano é e do que ele pode fazer a partir disso”.

Momento do treinamento que preparou os alunos para evacuação (Foto: Assessoria do Colégio Adventista)

O treinamento realizado no Colégio foi dividido em etapas, as primeiras foram de preparação de evacuação com os funcionários e depois com os alunos. Na  terceira etapa, a escola recebeu um plano de evacuação de emergência e o quarto passo consiste no teste do tempo-resposta de chegada das forças de segurança como Corpo de Bombeiros, Polícia Militar e Batalhão de Operações Especiais ao local.

Segundo o Coronel da reserva do Corpo de Bombeiros Militar, Sidnei Ribeiro da Cruz que realizou o treinamento no Colégio a tática é o “Ride, Run or Fight” (Esconder, Correr ou Lutar), um protocolo dos Estados Unidos de enfrentamento de atirador ativo. Esse treinamento prevê situações de crise, em que muitas vítimas são geradas pelo pânico, seja em incêndios ou ataques terroristas. “Essa é uma prática muito comum em países como Estados Unidos e Japão, nós ainda estamos engatinhando nesse sentido. Nós nunca sabemos quando um aluno vai querer entrar na escola e se tornar um atirador ativo”.


O diretor do Colégio acredita que treinamentos como esse são importantes para o preparo de como agir em situações de risco e pânico. “A partir desse treinamento, o aluno saberá qual a conduta correta a adotar em situações de risco. A gente espera que nunca aconteça, mas sabemos também que o preparo e o conhecimento são grandes aliados para minimizar ou zerar resultados extremos. É importante ressaltar que a seriedade com que os alunos trataram o treinamento é de se admirar. Eles levaram a sério todo o contexto do programa, agiram de forma séria e eficaz e entendo que a parte prática trouxe essa seriedade para eles”.

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