EDUCAÇÃO

Estudantes e profissionais da educação mobilizam-se em protesto ao Future-se

Programa será votado no fim de outubro e nova data gera indignação entre estudantes, professores e técnicos-administrativos da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

Guilherme Correia e Izabela Piazza26/09/2019 - 20h26
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Estudantes e profissionais da educação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) mobilizaram-se, entre os dias 25 e 27 de setembro, contra o projeto de educação Future-se, proposto pelo Governo Federal. O programa apresentado pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub objetiva oferecer autonomia financeira às instituições de ensino federais por meio de parcerias público-privadas. A proposta educacional foi discutida pelos reitores das universidades públicas durante reunião com a Comissão de Educação, Cultura e Esporte no Senado Federal e provocou protestos na comunidade acadêmica.

O reitor da UFMS, Marcelo Turine esteve na reunião e explicou que o investimento na educação necessita de uma ação imediata e responsável. “Faço um destaque estratégico. É importante pensar no futuro, em ações a curto, médio e longo prazo, em relação à educação superior, mas temos responsabilidade com o hoje. Avaliamos que há necessidade de um plano de ação emergencial com o Ministério da Educação (MEC)”.  Turine prorrogou a reunião para 31 de outubro, em resolução publicada no Boletim Oficial da UFMS. A votação para adesão ao projeto Future-se ocorreria na reunião do Conselho Universitário da UFMS (Coun) marcada para o dia 27 de setembro.

O reitor ainda defendeu a autonomia da UFMS na reunião da Comissão de Educação do Senado, em Brasília-DF. Turine destacou que “minha fala é sempre em defesa da autonomia universitária, com muito diálogo e com muito respeito, de modo que qualquer adesão ao programa ou a um contrato junto à universidade, que tenha potencial para restringir ou comprometer a autonomia, não receberá guarida nos seios da comunidade universitária”.

A coordenadora do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Fundação UFMS e IFMS (Sista-MS), Cleodete Gomes explica que o sindicato é contrário ao Future-se. “O Sista já tem sua posição, nós somos contra, mas a base ainda precisa de mais esclarecimento sobre o projeto”. Ela ressalta que a discussão do projeto foi fomentada junto à Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-administrativos em Instituição de Ensino Superior Públicas do Brasil (Fasubra). “Já tivemos uma discussão em Brasília durante a plenária da Fasubra sobre o Future-se, e de lá saiu um ‘não’ para esse projeto. O Sista continua acompanhando a deliberação da nossa federação”.

Cleodete Gomes ressalta que a privatização da UFMS afeta os técnicos-administrativos. “O fato de privatizar, entregar para uma organização é inaceitável. O projeto é inconstitucional, privatizando acaba com a carreira do servidor público e com a universidade pública, além de afetar diretamente a nós servidores e a população em geral”. A coordenadora do Sista-MS afirma que os membros do sindicato protestarão contra o posicionamento da reitoria em relação ao projeto. “Estamos trabalhando para tentar convencer a reitoria pelo que a gente tem lutado aqui”.

O Sista-MS reuniu técnicos administrativos para discutir, em Assembleia, as medidas do Governo Bolsonaro nas universidades públicas. Aproximadamente 40 servidores participaram e, após votação, foi aprovada a paralisação nos dias 2 e 3 de outubro. “Também foi aceita a campanha com o slogan ‘Fora Bolsonaro’, um ato de protesto contra as medidas que afetam a educação”.

Votação pela paralisação reuniu cerca de 40 servidores públicos em atividade e aposentados (Foto: Izabela Piazza)

O técnico-administrativo da UFMS, Luis Gustavo Freitas aponta que há necessidade de uma greve unificada. “Ela precisa ser construída. Já deveria estar [construída] há no mínimo três meses, temos de correr atrás do prejuízo”. Ele critica a fragmentação dos atos que enfraquecem o movimento. “Esses movimentos 'picados' mais atrapalham do que ajudam. A pessoa vai em vários, é tudo bonito, mas não acontece nada de mudança. Têm quase um milhão de habitantes na cidade e não vão nem mil nestes movimentos”.

O ex-técnico-administrativo Adilson da Costa Oliveira, presente na Assembleia, afirma que a greve é importante para o trabalhador. “Eu aprendi que greve é o último recurso que o trabalhador tem para fazer valer alguma coisa que ele quer conversar com o empregador”. Ele contesta o posicionamento de alguns técnicos-administrativos durante as paralisações. “Nesses anos todos, os elementos que entraram na carreira de técnico-administrativo não tiveram a inteligência de olhar e serem conscientes de que eles são da classe trabalhadora. Eles são individualistas”.

O professor do curso de Ciências da Computação da UFMS e presidente da Associação dos Docentes da UFMS (Adufms), Marco Aurelio Stefanes ressalta que é necessário amplo debate sobre o projeto para a comunidade acadêmica. "Solicitamos para a reitoria um debate na universidade, uma assembleia universitária, para debater o Future-se, mas esse encaminhamento foi negado. A comunidade universitária não foi consultada sobre o projeto, apenas uma consulta pública a posteriori, que aliás foi muito direcionada".

Stefanes avalia que as universidades possuem o menor índice de corrupção entre instituições federais e serão prejudicadas pelo programa. "O Future-se abre brechas para corrupção, os organismos federais são quem tem menor índice [de corrupção] nas suas atividades. Esse projeto abre as portas para fazer acordos de quem vai poder ser diretor ou reitor, por exemplo. Essas escolhas passarão por critérios que a instituição privada vai fazer". A Adufms organiza para os dias 2 e 3 de outubro uma aula pública e um ato em defesa da universidade, a agenda completa terá a participação de técnicos-administrativos e estudantes da UFMS.

Programa Future-se

De acordo com proposta publicada pelo MEC, o Future-se planeja dar autonomia administrativa e financeira às universidades públicas por meio de captação de recursos de instituições privadas, também apoiadas financeiramente pelo governo federal. O programa é subdividido em gestão, governança, empreendedorismo e objetiva melhorias na pesquisa, inovação e internacionalização nas instituições de ensino.

Segundo a proposta, as universidades que se posicionarem contrárias continuarão a receber os repasses governamentais normalmente. O ministro da Educação, Abraham Weintraub deixou de especificar os valores destinados às instituições públicas, se a quantia cedida será mantida ou se o governo contingenciará verba. Os contratos de gestão serão firmados com organizações qualificadas tanto pelo MEC, quanto por outros Ministérios.

A Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), localizada no estado de São Paulo, posicionou-se a favor do programa após protestos de estudantes. O Sista, em Mato Grosso do Sul, estabeleceu-se contrário ao Future-se. Acadêmicos da UFMS, em Campo Grande, ocuparam uma das unidades da instituição para exigir posicionamento oficial do reitor Marcelo Turine sobre o projeto.

Ocupação na UFMS

Estudantes de diversos cursos da UFMS decidiram, após a realização de Assembleia Geral com votação aberta em 24 de setembro, ocupar a Unidade 6 da instituição, localizado ao lado da Biblioteca Central. No total 90 acadêmicos participaram da votação que decidiu pela ocupação. Dormitórios e locais para refeição foram organizados dentro da unidade para alojarem os universitários. A "Ocupação Aghata Felix" objetiva protestar contra o Future-se e em favor da universidade pública.

A estudante do curso de Zootecnia, Carolina Alves* é responsável pela organização do ato estudantil. Ela explica que a ocupação foi aberta a todo o corpo discente. “Todos os alunos podem entrar no Bloco 6 para participar das atividades”. Segundo a estudante, foi organizada agenda para a realização de debates sobre o programa, com o objetivo de auxiliar a comunidade acadêmica a entender o assunto. “A gente tem uma agenda de atividades de formação política, debates sobre o assunto e sobre as condições da UFMS”.

Fotografias dentro da ocupação foram proibidas, por receio de represálias (Foto: Izabela Piazza)

Carolina Alves ressalta que a ocupação tem a finalidade de reinvindicar posicionamento oficial do reitor na votação que aconteceria na sexta-feira (27). “A gente decidiu fazer isso contrário ao projeto Future-se, exigindo uma resposta negativa do reitor e do Coun. A resposta aconteceria durante essa semana ”. Ela acredita que a mudança na data para votação é uma estratégia da reitoria. “A gente vê isso [a alteração da data] como uma estratégia porque esse projeto vai ser mandado para o congresso no início de outubro e até o final do mês pode passar por várias modificações”.

De acordo com Carolina Alves, alunos de mais de 12 cursos aderiram à ocupação e revezaram a participação durante o dia. “A gente vê que independente do curso em si as pessoas estão aderindo. Estamos em torno de 80 pessoas aqui na ocupação, algumas chegam e dão espaço para outras pessoas. A gente conta com a parceria de outros estudantes que não estão diretamente na ocupação, mas que trazem comida, colchonete e outras coisas para as pessoas que estão ficando direto aqui”. 

*Nome fictício

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