COTAS RACIAIS

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul indefere 148 candidatos autodeclarados pretos ou pardos

Banca de avaliação de veracidade foi implementada em 2018 com objetivo de diminuir fraudes entre as cotas sociorraciais

Dândara Sabrina Genelhú, Pâmela Machado, Stefanny Azevedo18/03/2019 - 19h07
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A banca de avaliação de veracidade da autodeclaração da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) indeferiu 99 candidatos que se autodeclararam pretos ou pardos na primeira chamada do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) 2019. Segundo publicação do resultado preliminar da avaliação da veracidade de autodeclaração da chamada regular, divulgado pela Pró-Reitoria de Graduação (Prograd) da UFMS, foram 260 candidatos que se declararam pretos ou pardos pelo Sisu. Pelo vestibular da universidade compareceram na banca 183 candidatos, com 49 indeferidos. A heteroidentificação, que é a confirmação por meio de uma banca avaliadora do candidato que se autodeclarou negro, foi regulamentada pela Portaria Normativa 4, publicada pelo Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão em 2018.

De acordo com o Censo de Educação Superior, publicado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), de 128.910 acadêmicos matriculados no ensino superior em Mato Grosso do Sul, 7.214 eram pretos e 33.595 pardos, em 2017. Do total de pretos matriculados em cursos de graduação, 2.091 estavam em instituição federal.

A Lei nº 12.711/2012 garante 50% das matrículas por curso e turno aos alunos que estudaram integralmente no ensino médio público. As vagas são subdivididas, metade para estudantes de escolas públicas com renda familiar bruta igual ou inferior a um salário mínimo e meio per capita, e metade para estudantes de escolas públicas com renda familiar superior a um salário mínimo e meio. Nos dois casos é considerado um percentual mínimo correspondente ao da soma de pretos, pardos e indígenas no estado.

Segundo a chefe da seção de Ações Afirmativas da Divisão de Acessibilidade e Ações Afirmativas (Diaaf) da UFMS, Isaura Regina Branco os candidatos submetidos à banca de avaliação são encaminhados para a Sala de Acolhimento, onde recebem orientações prévias sobre as cotas e quais os critérios avaliados pela banca. “Nós não fazemos entrevistas, o que é analisado são as características fenotípicas, as características físicas visíveis. Nada que ele vá falar vai mudar isso. Nós tiramos uma foto na hora da banca e quando ele entra com recurso é aquela fotografia que vai ser analisada, aquelas características fenotípicas”.

A chefe da seção relata que há candidatos brancos que tentam simular as características fenotípicas da população negra durante a banca. Ela destaca que os candidatos disfarçam a textura do cabelo, a cor da pele e o formato da boca. “O pardo, é o principal problema dessa questão toda. Porque tem muito branco que tenta se fazer passar por pardo. Ele faz bronzeamento artificial ou natural mesmo, faz permanente no cabelo”.

Isaura Regina Branco ressalta que há cautela ao se analisar os pardos de regiões fronteiriças, paraguaios, indígenas e bolivianos. Segundo a chefe da seção de Ações Afirmativas da Diaaf, eles são pardos, sem características fenotípicas negróides presentes. “Nós temos que tomar muito cuidado com isso, porque as cotas não são para mestiços, porque se for ter cota para mestiço todos nós brasileiros temos direito a ela, daí não tem razão de ter cota”.

O professor doutor em História Social, Lourival dos Santos explica que o multiculturalismo crítico parte do pressuposto de que as desigualdades sociais e raciais são geradas pelo sistema. O historiador afirma que as políticas de ações afirmativas são para segmentos da população que foram historicamente prejudicados. “Estão discriminando um grupo, só que é uma discriminação positiva, que está dizendo que este grupo está em desvantagem social”.

Santos afirma que há confusão entre discriminação e segregação no contexto de auxílios sociais. Segundo ele, a segregação é a proibição de contato com um grupo social e a discriminação é a compreensão das desvantagens e da necessidade de amparo deste grupo. O historiador ressalva que a presença de negros nas escolas é baixa, e questiona o número de professores negros na UFMS. “Foram oferecidas as mesmas condições para todo mundo? Bom, se foram, daí sim você pode fazer um exame igual para todo mundo. Só que não foram oferecidas as mesmas condições”.

O professor mestre em Educação, Izadir Francisco de Oliveira afirma que a sociedade tem dificuldade em aceitar as cotas raciais. Ele ressalta que a população nunca se manifestou contra a Lei 5.465/68, que garantia cota social para alunos filhos de agricultores em estabelecimentos de ensino médio agrícola e as escolas superiores de Agricultura e Veterinária. “Uma das questões que pegam é que nossa sociedade só consegue enxergar as cotas raciais, porque é o negro saindo da senzala e indo para a universidade, nós temos esse bordão, mas eles não conseguem enxergar outras cotas. Por que quando tinha as cotas do boi aqui no estado ninguém se preocupava?”

Oliveira esclarece que a necessidade da banca surgiu a partir das fraudes e tem a contribuição de especialistas e professores negros que contribuem na identificação das características negróides. “O negro na banca é justamente para a composição da banca ser totalmente heterogênea. Ele contribui com a experiência de identificação do fenótipo. A presença do movimento negro na banca reforça a banca no sentido de que temos a garantia de que a pessoa que entrou, ela realmente tem o fenótipo negro”.

A candidata cotista Gisele Mendes relata que, antes de passar pela banca, sentiu-se nervosa. “Fiquei um pouco nervosa porque eu não sabia como era, eu achei que iam fazer mais coisas, não sei, eu não tinha muita noção. Foi tranquilo, eles só me olharam”. Ela assegura que sofreu racismo e que a última situação constrangedora foi no transporte público, devido à volumosidade de seu cabelo. A candidata espera uma realidade diferente no ambiente universitário. “Espero que eu seja bem acolhida”.

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