ENTREVISTA

Falta gestão para os clubes de futebol no Mato Grosso do Sul

Fernando Doldan, presidente do Esporte Clube Comercial, fala do futebol no Estado

Juliana Peruchi e Maitê Campos25/11/2014 - 09h53
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O Futebol está decadente no Mato Grosso do Sul. O motivo é a falta de gestão e credibilidade. É o que pensa o atual presidente do Esporte Clube Comercial e Coordenador de Desporto da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, UFMS, Fernando Doldan. Desde a infância ele se envolveu com o futebol. Profissionalmente sua carreira começou em 2006 a convite do ex-presidente do Comercial, Carlos de Alberto de Assis. Nesta entrevista ele fala sobre a situação do futebol em MS, da importância em investir na categoria de base, da gestão administrativas que os times devem ter, e do seu maior desafio, que é manter o clube na primeira divisão do Campeonato Estadual. 


Quais fatores fazem o futebol estar em decadência no Mato Grosso do Sul? 

Os clubes não têm gestão, que é uma coisa que eu acho fundamental. Os diretores têm que parar com esse negócio de ficarem jogando a culpa nos outros, “culpa do torcedor que não vai ao estádio, culpa da federação que não fez isso”, não! Primeiro os clubes tem que se organizar internamente, tem que ter gestão administrativa para tocar o clube como se fosse uma empresa. Graças a Deus as pessoas que me rodeiam hoje na diretoria do Comercial são pessoas qualificadas e que têm visão de gestão. Óbvio que você tendo um clube forte, com uma administração organizada e transparente tem credibilidade e partindo daí você atrai parceiros e patrocinadores e assim vai realmente organizar o clube, categoria de base e como consequência o time profissional e fazer um grande campeonato. Por exemplo, é campeão estadual, como eu fui em 2010, você ganha duas coisas: uma vaga na Copa do Brasil e a vaga na série D do Campeonato Brasileiro. Mas vem as despesas e ninguém ajuda. A Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul não tem condição de te ajudar, o Governo do Estado, que eu acho que deveria ajudar, não ajuda, não sei agora nessa nova administração que está preste a iniciar no começo do ano. Eu acho que é um conjunto de coisas: gestão dos próprios clubes; Federação de Futebol através do seu presidente, pela credibilidade que ele tem na Confederação Brasileira de Futebol, CBF, buscar mais parceiros e a imprensa colaborar no sentido de dar estímulo para que possa sair desse buraco que está o nosso futebol. Porque na realidade todos dependem do futebol, que se crescer e melhorar, vai ser melhor para os dirigentes, imprensa e jogadores. É uma consequência natural.

A Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul não tem condições ou não está ajudando os clubes?

Eu não acho que ela não queira ajudar, na realidade eu não sei qual o recurso que a Federação tem hoje, no sentido do que ela poderia ajudar os clubes. Eu acho que realmente deve ser difícil a situação da Federação. Ela na medida do possível ajuda alguns clubes sim, o próprio Comercial já foi ajudado por ela em algumas situações, como inscrição de jogadores, que as vezes você não tem naquele momento, ela isenta ou deixa pagar depois. O que eu vejo, é que a Federação poderia fazer é buscar parceiros de fora do estado, como aconteceu com a Chevrolet no Campeonato Estadual e a parceria com a TV Morena na transmissão dos jogos, tudo isso dá uma ênfase maior e credibilidade para a própria competição.

Você acha que falta esforço da Federação de correr atrás de recurso na CBF, ou falta esforço da CBF de ver o Mato Grosso do Sul no futebol e deixar o eixo Rio-São Paulo-Minas?

Eu acho que a CBF deveria olhar com mais carinho para o nosso futebol. O presidente da Federação, Francisco Cezário tem muita boa vontade em ajudar o futebol, ele tem buscado alternativas, mas a CBF deveria olhar com mais carinho e responsabilidade. A partir do momento que criaram o clube dos 13, ali começou acabar com o nosso futebol, os times pequenos ficaram sem forças. Acabaram as competições regionais, como a Copa Centro-Oeste, que inclusive o Comercial já participou e jogou com grandes equipes e isso dava renda, tinha o atrativo do retorno financeiro. Eu volto a bater na mesma tecla: tem que existir gestão dentro dos clubes, eles têm que se organizar internamente para não fica dependente de Federação, Governo do Estado e Prefeitura, como vive o interior. Todos os clubes do interior têm no mínimo 70 mil reais por mês das prefeituras, os clubes aqui da capital não têm um real, a não ser quando tem o Campeonato Estadual, que o Governo do Estado ajuda sim com arbitragem, alimentação e estadia. A Prefeitura e os políticos locais deveriam olhar com mais carinho também nesse primeiro momento para que a gente pudesse sair dessa situação extremamente delicada. Assim com gestão e organização você consegue tocar seu clube, ser independente, trabalhar categoria de base fortalecida e responsável e revelar jogadores.

Mesmo os clubes sendo instituições privadas você acredita que o Governo Estadual deveria ajudar?

Nesse primeiro momento sim. Eu acho que os clubes de futebol profissional não têm que depender exclusivamente do governo, ele tem outras preocupações como saúde, educação e segurança da população. Só que nesse primeiro momento a gente precisa desse suporte para alavancar o clube e o futebol e assim, se organizar ter gestão interna para não depender. Eu estou caminhando com o Comercial em cima disso, para que a gente não dependa de ninguém, só de nós próprios, mas é muito difícil quando você pega um clube igual está o Comercial, Novo Operário e Cene. Precisamos nesse primeiro momento dessa força, mas não que a gente vai continuar dependente do governo, o que eu sou contra.

Que tipo de ajuda?

Hoje o Governo do Estado ajuda através da Federação com arbitragem, estadia e alimentação dos clubes dentro do estado no campeonato estadual. Mas eu acho que deveria ter um recurso a mais para cada clube, de acordo com o tamanho ou tradição, poderia até se criar uma coordenadoria para administrar esses recursos através até da própria Fundesporte e cobrar resultados disso. O dinheiro é público, não pode realmente dar o dinheiro e não prestar contas nem resultados. E como apresenta resultado? Em cima de uma planilha, com benefícios para o clube e torcida.

Qual a situação financeira atual do Comercial? 

Temos um plano de capitação de recurso, você mostra o que você quer e o que você pode oferecer em contrapartida. Isso tudo em longo prazo, não é um estalar de dedos. É muito trabalho, pelo buraco que a gente se encontra hoje, está muito difícil. Hoje estamos mantendo uma categoria de base com uma folha de 22 mil reais. Algumas empresas ajudam, mas o restante é a diretoria que está bancando para fazer uma base mais ou menos. 

Por que o presidente Luiz Carlos Cortez renunciou? 

Até certo ponto fui pego de surpresa. Na época eu estava afastado, eu tinha pedido para dar baixa na vice-presidência, assinei a renuncia mas não deram baixa. Como eu faço parte da diretoria executiva, essas pessoas que estão me rodeando já estavam desde o início do ano e não estavam gostando da forma que vinham tocando o clube. Eles queriam mudar essa gestão. Ele saindo, eu teria que assumir como presidente. Fui procurado, começaram a conversar comigo, conversamos durante meses. 

Então foi negociado? O Presidente saiu para que você pudesse assumir? 

Foi. Ele é uma boa pessoa, nada contra ele, mas assim, em questão de administrar o futebol eu acho que ele precisa aprender muito ainda. Não que eu saiba muito, mas você tem que ter o mínimo né? Ele pediu a renuncia e eu assumi, fizemos o protocolo normal, uma assembleia com ata, registrou em cartório, tudo certinho. E hoje eu estou com esse abacaxi na mão.

E como que está a Categoria de Base hoje do Comercial? Você acredita que a situação atual do futebol em Mato Grosso do Sul desanima os meninos? 

Os garotos não têm por onde passar aqui, não tem esse suporte de base, um suporte de verdade né?! Porque você ter um campo para eles irem lá, correr, competir e não ter estrutura não adianta. É falta de responsabilidade. Você tem que ter uma assistência médica. Muitos desses meninos bons de bola vêm da periferia, então tem muito problema em casa. Problema de alcoolismo, de drogas e falta de alimentação. Então quando eu falo de fazer uma base séria e responsável é para cuidar dessa forma. Aí sim você vai formar um atleta de verdade, com psicólogo para cuidar da cabeça dele, ouvir palestras de professores e doutores na área de fisiologia, fisioterapia e palestras com técnicos de futebol e árbitros, para que ele cresça e seja um profissional de verdade. Cuidar é fundamental. Muitas vezes o cara explode no futebol e não teve acompanhamento. Igual está acontecendo com o Adriano, o cara não tem estrutura nenhuma psicológica e familiar, infelizmente. Era um baita de um jogador.

Você acredita que todos os times da capital estão no mesmo nível de decadência? 

Todos. O Cene hoje encontra dificuldades assim como nós. Eles vivem correndo atrás de patrocínio como a gente.  O que ficou de bom é que eles têm um centro de treinamento muito bom e estádio próprio, que no final, vai acabar salvando todas as equipes da capital.

Quais os planejamentos do Esporte Clube Comercial para o ano de 2015?

Na categoria sub-19 nós disputamos o estadual e vencemos a competição conseguindo uma vaga para a Copa São Paulo de Futebol Júnior, uma competição muito importante que atrai empresários do mundo todo. Nós já estamos a quase dois meses trabalhando essa equipe para no começo de janeiro estrear em Presidente Prudente-SP, em um grupo com quatro equipes: Comercial, Bahia, Audax e Grêmio Prudente. Eu acredito muito na minha equipe. Esse será o primeiro trabalho de 2015 e na sequência, no início de fevereiro, vamos estrear no campeonato estadual. Aí tudo é consequência. Se você conseguir atrair parceiros e patrocinadores e chegarmos a final do campeonato dá para montar uma equipe legal. Mas se não conseguir também não estou preocupado. Hoje se você for campeão do estadual você não ganha nada, você só ganha conta. Você vai participar obrigatoriamente das competições ou desiste, o que eu acho feio. Se você conquistou você tem que participar, para participar você tem que fazer bonito, para fazer bonito você tem que ter dinheiro para montar uma equipe boa. É complicado, mas não tenho essa preocupação não. Quero manter o time na primeira divisão e trabalhar forte a categoria de base. A categoria de base sim, buscar esses meninos. “Ah, tem lá em Dourados. Ah, tem lá na aldeia” vou lá buscar para jogar para mim. Esse é o foco da gestão. 

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