AGRONEGÓCIO

Mato Grosso do Sul será o primeiro estado a produzir carne carbono neutro

Pesquisa da Embrapa Gado de Corte cria Selo que assegura produção com impacto ambiental reduzido e sustentável

JOSÉ CÂMARA, MARIANA MOREIRA, RAFAELA MOREIRA21/10/2019 - 22h16
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Mato Grosso do Sul será o primeiro estado brasileiro a produzir Carne de Carbono Neutro (CCN). O produto foi desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária de Mato Grosso do Sul (Embrapa) e tem como objetivo realizar um modelo de produção pecuária que visa a baixa emissão do gás metano. A pesquisa pretende assegurar a produção de carne bovina com menor impacto para o meio ambiente, por meio da presença de árvores no entorno da área de pastagem.  

A Embrapa lançou o conceito de produção pecuária, carne carbono neutro para atender a necessidade do aumento da produção de alimentos para o mercado interno e para a exportação, com foco na preservação dos recursos ambientais. O conceito é derivado de um estudo feito pela Embrapa que implica na plantação de árvores para influenciar no bem-estar animal e diminuir a emissão de gases responsáveis pelo efeito estufa. A CCN tem por objetivo diminuir os impactos da pecuária no meio ambiente e reduzir os gases emissores do aquecimento global

A produção da CCN

Para o pesquisador da Embrapa, Roberto Giolo a CCN é um conceito para as futuras produções pecuárias. Segundo ele, o estado de Mato Grosso do Sul será destaque na fabricação de carnes de baixo carbono no país. “No Brasil não têm outro estado que esteja caminhando para se tornar Carne Carbono Neutro. O Mato Grosso do Sul, no ponto de vista do gado de corte, não quantitativo, mas qualitativo, é o estado que está mais à frente. Nós pretendemos ser o primeiro estado. O sistema tem muito potencial porque essa pesquisa é uma tendência, que visa a maior conservação do solo, em função também do melhor manejo e manutenção da produção”

Giolo é um dos coordenadores da pesquisa que criou o Selo da Carne, iniciada em 2012. O processo experimental da pecuária florestal, foi colocado em prática nesse mesmo ano. Para o pesquisador, o principal objetivo com o Selo da Carne conceito é conciliar a criação do gado de corte a um modo de produção menos agressivo ao meio ambiente. “É uma carne produzida em um sistema que tem árvore, que vai neutralizar o metano. Outra coisa importante, se tem árvores, tem sombra, então o animal tem um bem-estar favorável ao próprio sistema”.

O pesquisador relata que em 2005 a agropecuária brasileira era extrativista, aquela que visa o lucro, a falta de bem estar do animal e que produzia sem se importar com o meio ambiente, esse modelo foi criticado por pesquisadores estrangeiros. Giolo explica que no início dos anos 2000 os animais ficavam no pasto cerca de quatro anos, até serem abatidos. “Então, o animal passando mais tempo para ser  abatido ele está emitindo mais e isso em função do sistema que não permite, não é um sistema tão avançado, então isso o animal, o próprio animal está emitindo mais, no caso emitindo metano”.

O pesquisador da Embrapa afirma que a produção de metano é natural do animal. O processo de digestão dos bovinos é realizado no rúmen, parte do estômago do animal que é responsável por digerir a celulose do capim. “Todos, qualquer ruminante que exista, ele se alimenta do capim. O capim é fermentado dentro do trato gastrointestinal do animal, no caso específico do rúmen que é uma parte do estômago. Ali há as bactérias que estão interagindo para degradar o capim e elas têm como subproduto o metano”.

Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) é o sistema utilizado na pesquisa, que possui diversos objetivos, dentre eles o bem-estar do animal, o melhor uso de recursos naturais, o sequestro de carbono, a integração entre animal e meio ambiente. A CCN está associada a esse sistema de produção, que objetiva compensar as emissões de metano produzidas pelo gado por meio do plantio de árvores na área de pastagem. Segundo Giolo, o sistema ideal deve ter entre 100 e 400 árvores por hectare para neutralizar a emissão de uma cabeça de gado. O pesquisador explica que o projeto do Selo está pronto, em 2020 comecará a fiscalização naquelas fazendas que querem aderir o sistema ILPF, que assegurá a produção de CCN. 

O pesquisador explica que o Selo CCN certifica a carne bovina que apresenta volumes de emissão de gases de efeito estufa neutralizados pela presença de árvores em sistemas de integração do tipo silvipastoril. No projeto, para aquelas propriedades que aderirem ao conceito, há algumas especificidades . Uma das regras é seguir um cálculo que expressa a quantidade de metano produzido por cada cabeça de gado, e consequentemente quantas árvores precisarão ser plantadas para neutralizar a emissão do metano desses animais. “Com as árvores, são sequestrados bastantes carbono que neutraliza a emissão do metano que foi emitido para produzir a carne”.

A Embrapa oferecerá, em novembro deste ano, um curso a técnicos agropecuários, para que esses profissionais sejam habilitados para conferir se as fazendas interessadas possuem a certificação do Selo CCN. Segundo Giolo, a pesquisa é apoiada pelo Governo do Estado de Mato Grosso do Sul. “Estive em uma reunião com Secretário da Semagro falando justamente disso, para tentar colocar as ações em prática. A gente percebe que tem um real interesse. Nós imaginamos que no futuro o Brasil esteja produzindo isso, em grandes demandas”. 

Os três pilares da sustentabilidade

O zootecnista Haroldo Queiroz explica que a sustentabilidade na pecuária deixou de ser alternativa em 1990. “Nós criamos o programa de boas práticas agropecuárias de bovino de corte, que é um manual de orientação para o produtor rural produzir com sustentabilidade econômica, social e ambiental”. Para Queiroz, a sustentabilidade é formada por três pilares, o ambiental, o social e o econômico.

Segundo Queiroz, no pilar ambiental a agropecuária  é regida por uma legislação que abriga as propriedades a terem uma área de preservação permanente, que possuem declínio, morraria e podem ocasionar erosão se desmatadas. Preserva-se também áreas às margens de rios, lagoas e nascentes. No segundo pilar a propriedade  precisa ser socialmente justa para um negócio ser sustentável. O Ministério do Trabalho exige que o empregador rural disponha condições adequadas de trabalho, como alojamento e alimentação para seus empregados. Alguns objetivos devem ser cumpridos no terceiro pilar da produção pecuária.

Queiroz explica que a propriedade rural deve apresentar baixo impacto ambiental, ser socialmente justa, economicamente rentável e ter custos menores. Para a carne ser economicamente rentável, o zootecnista ressalta que o processo de produção da carne deve respeitar os três pilares da sustentabilidade. “O problema associado à imagem da pecuária é a emissão dos gases de efeito estufa, imagem essa que precisamos combater para assegurar o terceiro pilar da sustentabilidade que é o econômico”.

Três gases principais compõem o efeito estufa, gás carbônico, metano e óxido nitroso. Queiroz afirma que o metano é o mais prejudicial ao meio ambiente. “O problema parte do capim, da própria celulose que o boi consome, no estômago dele, uma parte das bactérias transformam-se em metano, o metano tem 30 vezes mais efeito estufa do que o carbônico. Então você tira o gás carbônico e devolve com um poder de aquecimento 30 vezes maior, esse é o problema do boi, o seu arroto”.

A Embrapa criou o programa da carne de baixo carbono e a carne de carbono neutro para diminuir a participação da pecuária sobre o efeito estufa. Queiroz explica que a técnica tem como objetivo compensar a emissão do gás metano. “Nós vamos retirar da atmosfera 30 vezes mais carbono que o boi emitiu para compensar o metano, nós temos que tirar essa quantidade de carbono para neutralizar o metano, o que a gente faz, planta árvore, a árvore tira o gás carbônico do ar, e transforma em madeira”. A madeira tem que ser eucalipto de serraria, ter de cinco a 10 anos para que a sua madeira seja adequada para movelaria, para que a compensação seja eficaz.

O aplicabilidade da CCN
 
O produtor agropecuário Moacir Reis é proprietário da fazenda Boa Aguada, em Ribas do Rio Pardo. Ele foi o primeiro produtor a implementar o conceito CCN no estado. “Nós começamos os investimentos no sistema em 2006, há 13 anos, e tínhamos uma ideia do projeto que acabou ficando muito maior do que esperávamos. A gente instalou em áreas de pastagem o sistema silvipastoril e o investimento foi feito em cerca de 500 hectares”. 

Segundo Reis, a principal diferença desse método está no bem estar do rebanho. “A diferença que notamos é em relação ao conforto do animal. A sombra ocasionada pelas árvores, causa alívio térmico e proporciona o bem-estar do gado em todo processo”. Para Reis, é possível produzir outros produtos por meio do conceito CCN. “A principal vantagem de produzir carne carbono neutro é que você tem na mesma propriedade outras opções de trabalho. Além da pecuária, como exemplo, a madeira pode virar lenha, poste e carvão, então você deixa de depender somente de um produto”. 
 

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