O novo coronavírus atingiu o mundo em proporções inimagináveis na saúde, economia e também na educação. Quando, em março de 2020, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) anunciou que metade dos estudantes do planeta estava fora da escola em virtude da covid-19, do dia para a noite, o distanciamento social passou a ser regra e o sistema educacional foi nocauteado. Alguns países conseguiram contornar melhor a situação, já outros não fazem o mínimo para seus alunos e professores.
Vizinhos brasileiros, caso de Peru e Argentina, realizaram ações de amplo alcance para que seus alunos do ensino básico tivessem o mínimo prejuízo. No país andino, o governo comprou e distribuiu 840 mil tablets com acesso à internet. Já o país portenho criou o programa ‘Seguimos Estudiando’ e imprimiu mais de sete milhões de cadernos. O Brasil, onde 46 milhões de habitantes não têm acesso à internet e que tem uma nota média igual aos países citados no Programa Internacional de Avaliação do Estudantes (Pisa) de 2018, não trouxe providências que atendessem seus alunos como fizeram essas outras nações.
A falta de ação coordenada pelo Ministério da Educação do Brasil com Estados e Municípios aumenta o prejuízo. O ministro da pasta, Abraham Weintraub, disse em 15 de maio que o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) “não é para atender injustiças sociais, é para selecionar os melhores”. Por causa da pandemia, escolas de todo o país suspenderam as aulas, mas só após pressão dos estudantes e do Congresso Nacional, que o Enem foi adiado. Mesmo assim, Weintraub critica os gestores estaduais e municipais pelo que chama de atitude “precipitada” de fechar escolas.
O impacto entre alunos das redes pública e privada é desigual. A mais recente pesquisa realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic) sobre o uso de tecnologias de informação e comunicação em domicílios brasileiros mostrou que, em 2018, apenas 9% das famílias das classes D e E possuíam computador em casa.
No cenário da educação sul-mato-grossense, Patrick Schistl Leite, coordenador na Escola Estadual Professora Ada Teixeira Dos Santos Pereira em Campo Grande, analisou que a situação é de desigualdade entre os alunos e que mesmo antes da pandemia, os estudantes com mais recursos tinham um aprendizado melhor. “A gente sabe que existe diferenças de aprendizagem porque são pessoas com contextos sociais diferentes. Agora, aprofunda ainda mais o contexto de desigualdade.”
O acesso aos materiais on-line é outro problema. Na maioria dos casos, é feito via smartphone segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Foi difícil chegar aos alunos que não têm acesso a internet. Vimos e fizemos uma conta que 30% dos nossos alunos não têm acesso à internet. Então é muito, são muitos, nossa escola tem 1400, 1450 alunos. É uma proporção muito grande”, contou Leite.
Antes da pandemia, as escolas públicas já eram bastante castigadas e marcadas por uma brutal desigualdade de oportunidades. Onde o ambiente familiar possui forte influência nos resultados educacionais, haverá diferentes desfechos para os 48 milhões de alunos da educação básica. As perdas serão coletivas, mas não há dúvidas de que os mais prejudicados serão aqueles que, mesmo antes do coronavírus, já eram vulneráveis: estudantes mais pobres.
"O sistema brasileiro tem uma série de problemáticas. Não é valorizado, muitas vezes, as condições de trabalhos são precárias. Fácil é o que a gente encontra na rede particular. Mas o professor da escola pública é especialista em tirar 'leite de pedra'," reitera Pedro José de Menezes Macedo, professor de biologia na capital. Na angústia e na incerteza de que suas aulas virtuais não chegarão para todos os seus alunos, os professores continuam disponibilizando conteúdos, mesmo sabendo que estão excluindo muitos. Macedo também denuncia que o impacto do ensino a distância na educação básica é violento demais.
A pandemia serviu para mostrar ainda mais a desigualdade do sistema educacional brasileiro, que não dá a base para o professor trabalhar nem quando há a 'normalidade', quiçá em um cenário caótico. Será que, depois desse trauma, o país conseguirá enfim manter o senso de urgência e de prioridade em relação à educação?