Paulo (Emílio Dantas) é arquiteto, mas profundamente apaixonado pela arte. As paredes de seu apartamento dão espaço aos fluxos de consciência que não cabem em sua mente e às mulheres que norteiam sua vida e despertam paixões (e muitas) nele. Há quem diga que Paulo é o personagem principal em 'Todas as Mulheres do Mundo', mas na verdade ele atua como o elo que mantém as histórias coexistindo. A série brasileira é baseada na obra que leva seu nome e em mais sete roteiros do diretor e dramaturgo Domingos de Oliveira, que faleceu ano passado aos 82 anos. Libriano, nascido em setembro de 1936 no Rio de Janeiro (RJ), formou-se em engenharia elétrica na Escola Nacional de Engenharia (ENE), mas nunca exerceu a profissão, pois encantou-se com as artes cênicas. Dentre as suas principais obras como roteirista, encontram-se ‘A Ordem Natural das Coisas’(1977- Globo), ‘Vestido de Noiva’ (1079- Globo), ‘Todo Mundo Tem Problemas Sexuais’ (2008) e ‘Os 8 Magníficos’ (2017).
A narrativa envolvente e vívida explorada pela diretora Patrícia Pedrosa e pelo roteirista Jorge Furtado, 'Todas as Mulheres do Mundo' foi lançada pelo sistema de streaming GloboPlay em 23 de abril deste ano, trazendo um suspiro suave aos dias turbulentos de pandemia.
As imagens são marcadas pelo uso dos tons rosa pastel e trilha sonora nas vozes de grandes cantoras brasileiras (Marisa Monte, Alcione, Rita Lee, Elis Regina, Cassia Eller, Céu, Ana Canãs, Nara Leão, Elza Soares e Maria Bethânia), apresentadas intercaladamente entre os episódios, de forma que cada uma delas musicaliza um dos capítulos. A trama se passa primordialmente no bairro de Copacabana, na capital carioca, onde Domingos viveu. Nela, Paulo é amarrado no amor de Maria Alice (Sophie Charlotte), bailarina com movimentos tão desconstruídos quanto seus ideais, mas possui espírito livre. Enquanto espera por ela, ele se envolve com outras mulheres ao longo de 12 episódios, de forma que cada um deles leva o nome da paixão retratada. As características de Paulo e Domingos se confundem, o roteirista “Era um homem apaixonado pela vida. (Ser apaixonado) Pelas mulheres, era só um jeito de se apaixonar”, revela à equipe do portal Uai E+, a atriz Priscilla Rozenbaum (60), companheira de Domingos por 38 anos e que participa da série como Glorinha, grande amor de Cabral (Matheus Nachtergaele), melhor amigo de Paulo.
Com reflexões profundas e não terminadas, sobre o amor e a existência, em toda sua amplitude e nuances, as histórias vividas pelos personagens provocam questionamentos sobre a liquidez dos relacionamentos. Zygmunt Bauman escreve sobre o amor líquido, diferenciando o desejo do amor, o primeiro é a vontade de consumir; absorver; devorar; provar; explorar. Já o amor é caracterizado pela vontade de cuidar; “um impulso de expandir-se”; ingerir; é um “impulso centrífugo; ao contrário do centrípeto desejo”. Sentimentos que se projetam na vida de Paulo, que se apaixona e deseja outras mulheres para preencher a lacuna de Maria Alice.
Assim, Paulo não se basta. Como diz sua melhor amiga Laura (Martha Nowill), “você se apaixona por uma mulher por semana”. É em ritmo frenético que Paulo se envolve, nunca estando sozinho, aproveitando a própria companhia, é como se precisasse de algo que não pode proporcionar a si mesmo. Apesar das companhias efêmeras, seus relacionamentos são dotados de intensidade e profundidade. O artista não tem medo de sentir e se envolver, o que provoca o telespectador a refletir sobre a sua própria maneira de se relacionar. Furtado ressalta que a obra ‘Todas as Mulheres do Mundo’ é uma série que retrata o feminismo, ideal que Domingos sempre defendeu. “Ele era um homem muito à frente do seu tempo. A obra é muito moderna, tanto que tivemos que adaptar poucas coisas para o presente. As mulheres criadas pelo Domingos já eram empoderadas bem antes de esse termo surgir”, conta Furtado em entrevista ao jornal O Tempo, publicada em 23 de abril deste ano.
Os três primeiros capítulos da obra estão disponíveis gratuitamente na plataforma, permitindo um maior acesso a quem sentir curiosidade sobre a série. Além de ser uma forma de dar maior abertura e propagar a beleza poética da narrativa, traz todo o desejo de Domingos pela transformação através da dramaturgia, afinal para ele só a arte salva, principalmente no contexto atual, é como trocar dor por amor.