O carnaval no Brasil se construiu a partir de um processo de interação entre a cultura portuguesa e os costumes da população preta. O samba nasce nos quilombos, nas periferias, é cultura preta em sua essência e junto ao Candomblé e a Umbanda tem sido, há séculos, uma forma de resistência. Popularizado em meados do século XIX, o Carnaval começa a usufruir de narrativas negras através do samba, gerando um certo desconforto na elite, que frequentemente tenta embranquecer tanto o carnaval, como outras manifestações afro-brasileiras. Desde o ano de 2019, escolas como a Grande Rio, a Gaviões da Fiel e a Paraíso do Tuiuti têm buscado evidenciar essas tradições que há muito tempo vem sendo invisibilizadas.
Historicamente, espaços e manifestações que foram criadas por e para pessoas negras, são ocupados por uma esmagadora maioria branca. Essa ocupação é notada nos terreiros de Candomblé e Umbanda, por exemplo, manifestações originalmente negras, mas ocupadas predominantemente por pessoas brancas. Segundo a pesquisa feita pela Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade Racial, baseada no cruzamento dos censos de 2000 e 2010, intitulada “Diversidade Étnico-racial e Pluralismo Religioso no Município de São Paulo”, cerca de 60% dos adeptos dessas religiões são brancos, enquanto pretos e pardos representam 40% dessa população.
No Carnaval não é diferente. É inegável a presença categórica de pessoas brancas, em detrimento de pessoas pretas em todos os âmbitos do carnaval, seja ele carioca ou paulista. Rainhas de bateria e carnavalescos, em sua grande maioria, são compostos por brancos, com consciência racial ou não, o que consequentemente embranquece a festividade. Um levantamento feito pelo portal “Alma Preta Jornalismo”, analisando 14 escolas de samba e suas rainhas de bateria, em 2022, indica que mulheres brancas têm maior protagonismo. Entre as rainhas do carnaval, sete são brancas, cinco negras e uma amarela.
Em época dessa aquecedora folia, as escolas saem para mostrar o resultado de todo esforço e dedicação semeada durante meses. E existem aquelas que levam não somente as máscaras, fantasias e bonitas mulheres, mas que aproveitam de todo esse espaço e visibilidade para fazer política, abdicando de tudo que agrada à elite e focando naquilo que ninguém vê ou, se vê, esconde. No momento em que essas personalidades negras, como Demeson D'alvaro, que interpretou Exu no desfile da Grande Rio em 2022, e o cantor Carlinhos Brown, saem da margem e recebem os holofotes, trazendo à tona temas como o genocídio negro, o poder e resistência do povo preto ou até o cotidiano dos terreiros de candomblé, simultaneamente, a angustiante e opressiva intolerância racial e religiosa aparece.
Usar do samba nunca foi um problema, mas quando decidimos tomar mais lugar, ter mais voz e sair do espaço de minoria, a hegemonia branca escancara seu racismo e intolerância religiosa.