Dona Evanilda, 64 anos, empregada doméstica desde os 13, nunca gostou de tumulto e ainda sonha em terminar os estudos e adentrar no ensino superior público. Sonho que cada vez parece mais distante já que, nos últimos governos da recente democracia brasileira, a educação foi alvo de preocupantes cortes, resultando em greves e protestos que incendiaram as ruas do Brasil. Em 2019, o governo de Jair Bolsonaro, que trouxe o estandarte da renovação política, anunciou o contingenciamento de 30% nas verbas das instituições federais de produção do conhecimento e, tomando o fronte das manifestações, os estudantes foram às ruas reivindicar o direito à educação pública.
No dia 15 de maio, sob a perspectiva do encerramento de atividades nas instituições de ensino público caso o corte não seja reavido, professores, técnicos administrativos e trabalhadores uniram-se aos estudantes munidos de faixas, cartazes e de brados uníssonos em uma onda de protestos que percorreu mais de 200 municípios em todo o Brasil. As vozes dos estudantes e trabalhadores reverberaram a mais de 7 mil quilômetros de distância, em Dallas, nos Estados Unidos, de onde o presidente Jair Bolsonaro proferiu ataques aos manifestantes. "Idiotas úteis", afirmou de longe o presidente do Brasil, eleito democraticamente, numa tentativa de deslegitimar e enfraquecer os movimentos puramente reconhecidos como democráticos, conforme a Constituição do Brasil.
A retórica belicosa como estratégia política, fundamento da campanha para a eleição de Bolsonaro, persiste em seu governo e, não com menos intensidade, é reproduzida pelos seus ministros. Nota-se que o mandatário e seu entorno mais extremista fomenta a ideia de deslegitimar e enfraquecer movimentos sociais que não concordam com as medidas de sua “nova política”. Ora, será que todos aqueles que discordarem do presidente e de suas artimanhas - essas que ignoram muitas vezes a complexidade e pluralidade da nação brasileira - receberão o título de idiotas úteis? Fica a dúvida.
É incontestável para a manutenção da democracia o exercício de manifestações como as que ocorreram no dia 15 de maio e, na atual conjuntura do Brasil, elas são indispensáveis, já que logo à frente há o nebuloso cenário em que as universidades públicas podem fechar as portas por falta de recursos, além da incerteza econômica aliada às conflagrações ideológicas alimentadas pelas falas do então presidente (ou antipresidente, como bem escreve Eliane Brum).
Dona Evanilda, na mesma faixa etária do presidente Jair Bolsonaro, empregada doméstica desde os 13, com o sonho de cursar o ensino superior público, odeia tumultos. Mesmo assim, ela não acha um insulto as manifestações, aliás, quando se trata de exercer a democracia, lutar pelos seus direitos e mostrar o descontentamento com o governo, dona Evanilda se enche de energia, energia que transborda sua estatura de um metro e sessenta. Ela irá às ruas exteriorizar sua vontade de ter o direito de acesso ao ensino público de qualidade nas próximas manifestações que, seguramente, virão a acontecer.