A produção agrícola brasileira é tamanha que, diante dos olhos de outros países, somos vistos como “o celeiro do mundo”. Mas que preço pagamos por possuirmos tal destaque?
O potencial do Brasil como produtor de alimentos é, sem dúvida, inegável. A tecnologia cada vez mais avançada e os investimentos na área permitem que o setor movimente anualmente bilhões de reais. Segundo dados divulgados pelo IBGE, em 2019 a safra nacional de cereais, leguminosas e oleaginosas deve crescer em 3,1%, totalizando cerca de 233,4 milhões de toneladas produzidas. Entretanto, também é do nosso país o título de maior consumidor mundial de agrotóxicos e Mato Grosso do Sul ocupa a sétima posição entre os estados brasileiros. O modelo de produção extensiva estimula o uso de grandes quantidades de venenos, assim como a atual política agrícola que é permissiva em relação à utilização desses produtos. Por lei, são 504 agrotóxicos regulamentados que, ao serem pulverizados nas plantações, não atingem somente as pragas das lavouras.
Não é de se surpreender quando nos deparamos com dados que revelam a presença de agrotóxicos na água consumida em 1 a cada 4 cidades brasileiras. De acordo com o Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua), Campo Grande é uma das capitais cuja água é contaminada por 27 agrotóxicos, dentre eles 21 proibidos na União Europeia. As substâncias químicas encontradas podem trazer consequências à saúde humana, como distúrbios gastrointestinais, problemas respiratórios, cardíacos, desenvolvimento de câncer, entre outros danos.
Em contrapartida, a Águas Guariroba, responsável pela distribuição de água na capital, julga inadequada a interpretação feita pelo Sisagua. O órgão garante que a água passa diariamente por monitoramento e análises de qualidade, e estão dentro dos padrões exigidos pela legislação.
Apesar das análises feitas pelos órgãos responsáveis não mostrarem desacordo com o que é previsto em lei na Portaria de Consolidação 5, anexo XX, do Ministério da Saúde, a qualidade da água é questionável, já que existe um valor máximo de agrotóxicos permitido (500 microgramas por grama). É visível e revoltante como as leis brasileiras acerca do tema são condescendentes com a cultura do agrotóxico, tornando inevitável o consumo dessas substâncias. Presentes no ar, nos alimentos e na água que ingerimos, estamos sujeitos à essa exposição contínua e nociva. O debate sobre a utilização de tais compostos químicos ocorre atualmente também a nível legislativo, um dos exemplos é a retomada da polêmica discussão sobre a “PL do Veneno”, o Projeto de Lei 6.299/2002 que na prática flexibilizaria as regras na fiscalização e aplicação dos agrotóxicos. À sociedade, principal atingida pelas possíveis decisões tomadas pela Câmara, cabe a missão de cobrar os órgãos governamentais pela manutenção dos direitos fundamentais do cidadão brasileiro, nos quais a saúde e o meio ambiente estão enquadrados nos princípios da qualidade de vida.
Sabe-se da existência de tecnologias e pesquisas que viabilizam mudanças significativas nesse cenário. Alternativas de agricultura sustentável, como a produção por meio do sistema de agrofloresta, são opções que precisam receber maiores investimentos e destaque no setor. A demanda desenfreada do agronegócio com poucas responsabilidades ambientais custa caro: quem paga o preço somos nós e a moeda é a nossa saúde.