OPINIÃO

O lado sombrio do isolamento

Isabella Motta 5/06/2020 - 21h38
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Ali sentados à mesa do restaurante, em abril de 2017, a imagem daquela família não representava a verdadeira face de sua intimidade. Com um temor angustiante, o jantar acabou mais cedo. Alice Verdade, de 37 anos, junto de sua filha, foram dirigidas a uma rua erma, onde tentara resistir em vão as agressões de seu companheiro. O primeiro golpe foi a violência psicológica, o segundo a violência patrimonial, o terceiro a violência moral e sexual, o último foi um chute no abdômen, pontapés na cabeça, nas costas, nas pernas, por todo o corpo. Alice, enquanto lutava por sua vida, abraçou a sua filha de 1 ano e meio, impedindo que o seu marido desferisse ataques contra ela. “Eu estava desaparecendo. Eu tinha que cuidar da empresa, da casa, da filha, da vida social dele, da agenda dele”, relatou Alice em uma reportagem especial para o site NDmais de Santa Catarina.

O “príncipe encantado” que uma vez Alice acreditara, nunca existiu. Ele abusou. Violou. Agrediu. Feriu. Matou. Mas Alice não é a única mulher a sofrer diariamente nas mãos de seu marido, há agressores por todos os lados, agindo de forma lenta e sutil, inibindo qualquer tentativa da mulher de ser ela mesma. O relato de Alice é um pesadelo, um terror que atinge milhares. Que pode estar acontecendo agora. Neste momento. Cada palavra de uma mulher que foi vítima de violência destrói e fere a alma. E infelizmente, o homem que agrediu, nunca parou.

Nos últimos meses, o novo vírus atinge o mundo de uma forma assustadora. Como uma tentativa de frear a disseminação da Covid-19, o isolamento social foi indicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Mas enquanto alguns não tem o que temer na segurança de seus lares, muitas mulheres são obrigadas a conviver com os seus agressores. “Para muitas mulheres e meninas, a maior ameaça está precisamente naquele que deveria ser o mais seguro dos seus lugares: as suas próprias casas”, alertou no início do mês de abril o secretário-geral da ONU, António Guterres.

Diante do novo coronavírus, o Brasil concentrou várias medidas e ações para tentar conter a doença, desviando o foco de atenção da série de problemas que fixou raízes no solo brasileiro. As agressões contra mulheres e meninas viraram uma outra pandemia, agindo na sombra e no silêncio do isolamento, acentuando ainda mais os fatores de riscos ligados a todos os tipos de violência de gênero. O levantamento realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), no dia 16 de abril, mostrou que o número de ocorrências de violência contra a mulher aumentou em seis estados em comparação ao mesmo período em 2019. O relatório ainda apontou que só no Estado de São Paulo, onde a quarentena foi adotada no dia 24 de março, a Polícia Militar registrou um aumento de 44,9% no atendimento a mulheres vítimas de violência, o total de socorros prestados passou de 6.775 para 9.817.

“Ele nunca tinha tido uma atitude parecida. Com a pandemia, a quarentena afetando nossa vida financeira, o estresse, a preocupação com grana... acho que tudo isso fez com que ele perdesse a cabeça”. O desabafo foi realizado por telefone e publicado no site UOL, no início do mês de maio. Do outro lado da linha estava Renata Albertin, cofundadora do “Mete a Colher”, rede colaborativa que ajuda mulheres a saírem de relacionamentos abusivos. A crescente tensão nos relacionamentos é evidenciada pelo aumento do consumo de bebida alcoólica, que somado à crise financeira e desemprego, proporcionam comportamentos violentos por seus parceiros.

Com o objetivo de mostrar que a mulher não precisa se calar diante de qualquer tipo de agressão e de prestar socorro a vítimas de violência doméstica em meio ao isolamento social, coletivos e organizações se uniram em campanhas distribuídas nas redes sociais, entre elas pode-se citar a iniciativa #VizinhaVocêNãoEstáSozinha, da rede Agora É Que São Elas. No mês de abril, a deputada Sâmia Bomfim (PSOL) protocolou uma ação que pede ao poder público que providencie hospedagem em pousadas e hotéis em caso de falta de vaga em abrigos. Apesar dessas mobilizações, o sistema que ajuda vítimas de agressão doméstica antes do isolamento social já se mostrava precário. No momento, em que o país se encontra em quarentena, o que garante a efetividade dos atendimentos, de medidas de proteção, segurança e apoio para mulheres e meninas que são agredidas, abusadas, violadas e obrigadas a conviver 24 horas por dia com os seus agressores?

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