OPINIÃO

O vírus chegou para todos. Não da mesma forma. Não com os mesmos efeitos.

Raquel Alves 8/06/2020 - 15h24
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Que o Brasil é um país desigual, todos sabem. Mesmo com toda a instabilidade política e econômica, é a 9ª potência econômica mundial (segundo a ONU, entre os 193 países do mundo, o Brasil está entre os 10 mais ricos). Sendo assim, uma questão é levantada: onde está o dinheiro que faz do país uma potência? Supostamente, o Brasil tem dinheiro para tentar diminuir a desigualdade, mas ainda assim somos o 7º no ranking de desigualdade feito pela Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, publicado em 2019. A desigualdade econômica é tão antiga em nossa cultura que a naturalizamos, porém no cenário de pandemia, mais do que nunca, ela determina se uma pessoa vive ou morre.

A irregularidade na distribuição de renda pode ser analisada sob diversas aspectos, seja por região, gênero ou cor. Uma pesquisa do IBGE, publicada em 2019, constatou que 25,3% da população brasileira, em 2018, vivia na linha de pobreza, ou seja, aproximadamente 52,5 milhões de pessoas. Além disso, segundo a pesquisa, 6,5% de brasileiros estavam abaixo da linha da pobreza. O número de pessoas em situação de miséria é maior do que a população de países como Grécia, Bolívia, Portugal, Bélgica e Cuba. Ao analisar a pobreza por região, o estudo constatou que 47% da população abaixo da linha da pobreza estava no Nordeste. Já a análise da desigualdade econômica por cor ou raça, mostrou que, em 2018, brancos ganhavam em média 73,9% a mais do que pretos ou pardos e, dentre os 10% com mais rendimento, os pretos ou pardos representavam apenas 5%, enquanto brancos representavam 16,4%. Outra forma para olhar a desigualdade é através do gênero. Em 2018, segundo o IBGE, homens ganhavam 27,1% a mais que as mulheres.

Toda essa desigualdade econômica torna alguns grupos mais frágeis à Covid-19. O presidente da rede Nossa São Paulo, Jorge Abrahão, comentou em entrevista para o UOL, em 5 de maio, que “a covid-19 é letal na periferia. E não dá para responsabilizar as pessoas. Muitas não têm condições de cumprir o isolamento por morarem em cubículos, em que sete pessoas dividem um quarto. A impossibilidade é uma questão de estrutura, e isso revela o quanto a gente, como sociedade, ainda está atrasado quando se trata de condições dignas de habitação e saneamento básico".

Os dados da pesquisa publicada pelo IBGE, em 2019, demonstram que há uma forte relação entre pobreza e precariedade de moradia. Em 2018, 26,6 milhões de brasileiros residiam em domicílios com algum tipo de inadequação. Dentro do grupo de pessoas abaixo da linha de pobreza, 15,3 milhões viviam em locais inadequados. Além disso, em 2018, 37,2% de brasileiros não possuíam ao menos um dos serviços de saneamento (coleta de lixo, abastecimento de água e esgoto).

Tanto a falta de locais adequados para se realizar o isolamento, quanto a inexistência de estrutura para que se siga as medidas preventivas de higiene, faz com que a pobreza também seja considerada um fator de risco para a covid-19. É ingenuidade pensar que o vírus chegou para todos da mesma forma e com os mesmos efeitos. Nada no nosso país é igualitário, por que o vírus seria? Nossa constituição, no artigo 6º, diz que moradia e saúde são direitos, sendo assim o Estado deve garanti-las, entretanto a presidência atual nunca se mostrou propensa a ajudar àqueles que precisam, sempre se revelou favorável a governar para elites e privilegiados. Não tem mais como negligenciar as populações vulneráveis. A pobreza está presente em nossa sociedade há tanto tempo que nem paramos mais para reconhece-la como uma anormalidade, mas com a pandemia, anomalias sociais são evidenciadas e põe-se à prova o quão urgente e necessário é a eliminação da desigualdade econômica.

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