OPINIÃO

Porque as questões indígenas não nos interessam

Giulia M. Fonseca 9/06/2022 - 10h50
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Lembro-me de voltar da escola no Dia do Índio com um cocar de papel sulfite, repleto de cores feitas com lápis de cor e com dois riscos pintados com tinta guache em cada bochecha. Lembro das peças de teatro improvisadas entre colonizadores e indígenas e das brincadeiras envolvendo a “dança da chuva”. Lembro desse ritual se repetir e de gradativamente ser substituído pelos textos didáticos que tratavam os indígenas como povos explorados e ultrapassados. Foi assim que a questão indígena foi tratada no meu percurso escolar e foi dessa forma mitológica e estereotipada que os povos originários foram apresentados a mim e a muitos brasileiros. 

Como cobrar ação em prol dos povos indígenas de pessoas que nem sequer tem conhecimento sobre sua pluralidade e modos de ver o mundo? Apesar de desde 2008 ter sido estabelecido pela Lei n° 11.465/08 que o estudo da história do povo indígena no Brasil é obrigatório nas escolas, muitas instituições ainda pecam na apresentação do tema. Consequentemente, essa raiz problemática faz com que pessoas não indígenas muitas vezes não compreendam e não politizem o suficiente as pautas desses grupos, de modo que deixamos os povos originários lutarem, frequentemente, sozinhos pela conservação de nossa cultura, história e meio ambiente, bens que são responsabilidade de todos. 

Além da educação, a visão utilitarista que rege a contemporaneidade é outro fator que contribui para o apagamento desses povos e faz com que o absurdo se torne aceitável. Em “Ideias para adiar o fim do mundo”, Ailton Krenak - escritor e líder indígena - enfatiza que o que está na base da história do país é a noção de que os índios deveriam contribuir para o sucesso de um projeto de exaustão da natureza. “Excluímos da vida, localmente, as formas de organização que não estão integradas ao mundo da mercadoria, pondo em risco todas as outras formas de viver”, afirma. 

Essa percepção das sociedades capitalistas da máxima eficiência também recai sobre a questão da terra e impacta os povos indígenas. O Brasil foi criado com base na concentração e exploração de terras, foi um país majoritariamente agroexportador até o início do século XX e hoje o agronegócio compõe 27,4% do PIB, de acordo com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea). Assim, essa estrutura e a visão da terra exclusivamente como recurso econômico, compartilhada por muitos, faz com que pautas absurdas como o Marco Temporal - que estabelece que os povos indígenas só podem reivindicar terras que já ocupassem no período da promulgação da Constituição de 1988 -, não causem indignação por parte da população geral.

As consequências são vistas nos recorrentes casos de violência contra indígenas e suas aldeias, no aumento do garimpo ilegal em terras demarcadas, nos índices de desmatamento que crescem a cada ano e nas tentativas de aprovação de medidas que entregam áreas de proteção nas mãos da bancada ruralista. Me pergunto, será que a possibilidade de um futuro mais justo é outro mito apresentado às crianças na escola?

 

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