LICENÇA MENSTRUAL

Mulheres que têm dores intensas no período menstrual podem ter licença remunerada

Empresa de tecnologia do Mato Grosso do Sul aderiu ao benefício no mês de março e concede até dois dias de folga remunerada para funcionárias que se sentem prejudicadas pelos sintomas do período menstrual

Idaicy Solano, Felipe Dias e Rafael Pereira 24/03/2023 - 21h00
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Funcionárias que tem dores intensas durante a menstruação podem solicitar benefício de licença remunerada em empresa de tecnologia de Campo Grande, no Estado de Mato Grosso do Sul. O benefício concede licença de até dois dias consecutivos para mulheres que se sentem prejudicadas pelos sintomas do período pré menstrual. O benefício é inédito no Brasil, sem a necessidade de apresentar atestado médico. 

A implementação da licença menstrual reconhece as divergências biológicas da mulher.  O período menstrual afeta o rendimento na execução das demandas trabalhistas. A licença menstrual concede um descanso e compensa na produtividade nos demais dias. A Legislação Trabalhista Brasileira não reconhece o benefício. 

A empresa de tecnologia Digix, responsável por adotar a licença remunerada, está no mercado desde 2001. A instituição emprega 800 funcionários, destes 503 são do sexo feminino. Na empresa, 63% das posições de liderança são ocupadas por uma mulher. 

A fundadora e diretora executiva, Suely Amoas é a responsável por colocar em prática a licença menstrual pela primeira vez no país. O benefício concede até dois dias de licença remunerada para todos os funcionários da empresa que menstruam, sem necessidade de apresentar laudo médico ou atestado. "Basta comunicar a empresa, através do seu chefe imediato, ou a equipe com a qual ela trabalha e ela já terá direito à licença". 

Primeira Notícia · CEO Suely Amoas explica como surgiu a iniciativa da licença menstrual

A diretora executiva acredita que o retorno a longo prazo será positivo e destaca a importância de acolher as mulheres em um período tão delicado, que envolve dores abdominais intensas, enxaquecas, desconforto, irritabilidade, dentre outros sintomas que mudam de corpo para corpo. "Eu acredito que a nossa produtividade vai aumentar depois disso. A gente ainda não tem esses números para provar, mas eu tenho certeza".

De acordo com a diretora executiva, o beneficio foi concedido de maneira espontânea e visa a saúde e bem-estar das funcionárias"A gente conversou com o Sindicato para colocar eles a par do que nós estamos ofertando para as nossas mulheres. Mas não tem nenhum acordo oficial, o acordo é só entre nós e as nossas mulheres mesmo".  

A estudante do curso de Administração da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), Rute Benedita da Silva, 20 anos, relata que durante o período menstrual tem dores e enxaqueca, que atrapalham a produtividade. A estudante revela que a saúde psicológica também é afetada pelo sentimento de insuficiência para cumprir as demandas, além da dor física. 

Rute da Silva trabalha na empresa há um ano e meio, e acredita que a licença menstrual pode transformar a relação das mulheres com o ambiente de trabalho. "Caso eu esteja com muitas dores, ou esteja me sentindo extremamente improdutiva, eu vou poder ter um momento para me ausentar do trabalho, sem que me cause prejuízos, para poder recarregar as minhas energias e não ficar me culpando por não conseguir dar continuidade nas demandas. É realmente um sentimento de acolhimento". 

A advogada Priscila Arraes Reino aconselha que, na ausência de um amparo previsto na Legislação, as empresas que desejam conceder esse benefício para as funcionárias devem firmar um acordo com o Sindicato dos Trabalhadores. A profissional acredita que permitir que uma mulher trabalhe menos por uma condição biológica seja motivo para discriminação, por isso algumas mulheres podem se mostrar resistentes a aderir ao benefício. "A mulher não quer utilizar [o benefício] porque ela tem medo de perder o emprego, porque ela tem medo de ser prejudicada. Então a gente precisa trabalhar os direitos humanos como um todo". 

A profissional argumenta que a proposta seja um avanço e é necessário debater a necessidade da licença menstrual para as mulheres que se sentem prejudicadas pelos sintomas do período menstrual. "A gente precisa mudar a forma de ver as coisas, porque se não a gente tem uma lei que é uma ação afirmativa importante, mas você não tem a mudança. Essas ações afirmativas não podem vir sozinhas, isso não basta, a gente precisa educar as pessoas".

Priscila Reino explica que a redução de produtividade das empresas, a partir da adesão à licença menstrual, depende do número de mulheres contratadas em relação ao número de homens. Ela cita o exemplo de empresas de vestuário, em que geralmente a mão de obra feminina em idade menstrual é predominante, e por consequência tem queda de produção e a redução dos dias trabalhados.

A advogada defende que conceder os dias de descanso compensa a produtividade nos demais dias, porque quando uma mulher trabalha indisposta em decorrência da menstruação, cai o rendimento no trabalho. "Essa mulher, muitas vezes quando vai trabalhar menstruada, acaba causando mais problemas para ela e para o trabalho em si. Eu estou aqui, mas não estou, porque não estou passando bem". 

Priscila Reino prevê uma melhora no desempenho das funcionárias, atribuído ao "sentimento de acolhimento". A adesão à licença menstrual compensa no engajamento das funcionárias com a empresa. "A pessoa entende que ela está sendo trabalhada de uma maneira respeitosa, cuidadosa, empática. A tendência na minha opinião é melhorar a produtividade nos demais dias, e uma coisa acaba compensando a outra". 

Sintomas 

Segundo informações da Biblioteca Virtual em Saúde, do Ministério da Saúde, os sintomas mais comuns do período pré menstrual são cólicas, dor de cabeça, inchaço, dor nas mamas, retenção de líquido, irritabilidade, ansiedade, insônia ou sonolência, dificuldade de concentração, fome exagerada, falta de apetite e, em alguns casos, depressão.

A dismenorréia, também conhecida como cólica menstrual, se desenvolve em dois estágios e requer exame médico. Os sintomas começam dias antes do período menstrual e em alguns casos pode se estender até o final do período. Os sintomas afetam o sistema nervoso central e é causado pelas mudanças hormonais que ocorrem durante a ovulação

Projeto de Lei

A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB - RJ) apresentou o Projeto de Lei (PL) 1249/22, na Câmara dos Deputados, em maio de 2022, que propõem folga reumunerada de três dias consecutivos todo mês, para mulheres que comprovarem sintomas graves relacionados ao período menstrual. De acordo com o projeto, pelo menos 15% da população feminina em idade fértil apresentam quadro de dismenorreia, conhecida como "menstruação difícil".

No documento a deputada cita que os sintomas do período menstrual são "uma causa comum de falta ao trabalho e à escola. Se na escola, o prejuízo da ausência se concentra na perda de conteúdo e avaliações que podem ser repostas, no ambiente profissional as faltas podem levar a descontos no salário e demissões". O projeto de lei foi arquivado, e em fevereiro de 2023, a parlamentar enviou requerimento ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com solicitação para que o projeto de lei fosse desarquivado.

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