A coordenadora explica que o projeto de Planificação de Atenção Primária à Sáude (APS) que atua em nível nacional, prioriza a reorganização da atenção primária e a qualificação da atenção especializada, e é representado pela Rede Cegonha em Mato Grosso do Sul. “O projeto recebe recursos vindos do Hospital Israelita Albert Einstein, que faz parte do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS (Proadi), no estado estamos trabalhando com as regiões de Aquidauana, formada por seis municípios e também com a região de Jardim, onde trabalhamos com a Unidade Básica de Saúde (UBS) para a melhora de questões como estrutura física, equipamentos e no processo de trabalho realizado pela assistência básica. Além disso, também envolve as unidades de atenção especializada, principalmente com ambulatórios de atendimento a gestantes classificadas como alto risco”.
Karine Cavalcante ressalta que o investimento na atenção primária, antes e durante o período de gestação, é importante. “Nos estudos dos óbitos, encontramos uma incidência maior em mulheres que possuem uma baixa escolaridade, baixa renda e uma rede social prejudicada. O planejamento reprodutivo é muito importante, já que no primeiro contato é preciso munir a mulher de toda informação, antes da gravidez e durante o pré-natal. O ideal é conseguir captar essa mulher no primeiro trimestre, onde se responderão todas as dúvidas e se oferecerão todas as respostas necessárias”.
O ginecologista obstetra do Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian (Humap), Benedito de Oliveira afirma que as três principais causas da mortalidade materna são a hemorragia, distúrbios hipertensivos e infecção. “É importante saber que uma simples infecção urinária, que acomete só a bexiga, pode subir para os rins e provocar uma infecção chamada pielonefrite. A infeccção é de fácil detecção clínica e de fácil tratamento, então existe algo errado no sistema quando algo que aparentemente é fácil, torna-se uma situação fatal".
Oliveira ressalta que a pré-eclâmpsia e as hemorragias são as doenças hipertensivas comuns e que questões ligadas ao aborto são tópicos de debates na avaliação dos índices de mortalidade materna. “Em situações longe do ideal de um cuidado médico, isso acaba expondo a pessoa a uma hemorragia que vem a morrer por anemia aguda, e isso até mesmo pode acontecer na situação de um aborto clinicamente justificado por alguma doença. No Brasil, temos desigualdades, onde populações possuem acesso a um pré-natal e a um parto de qualidade, e as regiões de cima do país, é encontrado um acesso mais difícultado".
O médico destaca que em 2015 houve queda no número de óbitos registrados e nos anos seguintes o avanço foi revertido. “Desde os anos 2000, houve uma preocupação mundial de redução de mortalidade materna. Em 2015, foram criados comitês de mortalidade materna estadual e municipal, onde cada óbito foi estudado, para ver se a falha foi no sistema do pré-natal, no sistema do atendimento hospitalar, por causa de um hospital sem condições ou se a pessoa não fez um pré-natal de maneira adequada”.
Oliveira ressalta que a crise econômica é uma das responsáveis indiretas pelo aumento quantitativo nos indicadores de mortalidade materna. “O próprio Ministério de Saúde admitiu que devido a crise econômica deixou de chegar o dinheiro nas instituições de saúde. É um problema na verdade muito mais político do que um problema médico em si”.
O projeto de extensão Proposta de intervenção de enfermagem à mulher no ciclo gravídico-puerperal, do curso de Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), atende gestantes durante a gravidez até o pós-parto no Hospital Universitário. A professora e coordenadora do projeto, Sandra Luzinete é enfermeira obstetra e diz que atualmente 20 mulheres são acompanhadas. Ela explica que mortalidade materna e uma gravidez de alto risco são casos independentes um do outro. "A mortalidade é uma preocupação bem grande, mas toda gravidez pode mudar, ser de baixo risco hoje e amanhã de alto risco. Não dá pra prever, nem avaliar. A partir do momento que surge um corrimento vaginal ou uma cárie dentária, a gestante já entra no alto risco. Se não houver uma atenção rigorosa, qualquer coisa pode evoluir para algo mais grave, por isso é preocupante quando uma mulher não faz o pré-natal adequadamente".
Acadêmicas do curso de Enfermagem participam do atendimento de gestantes na Clínica Escola da UFMS (Foto: Jéssica Lima)
A professora aponta que o pré-natal deve ser realizado o mais rápido possível, assim que a mulher descobre a gravidez, assim como todos os exames e consultas. "Eu percebo uma carência de informação muito grande nas pessoas. Elas muitas vezes não sabem nem como coletar um exame e isso gera erros no resultado. Isso faz do pré-natal um momento ainda mais importante para a gestante". Ela afirma que o envolvimento dos profissionais na orientação dessas mulheres é importante e explica que a sobrecarga dos hospitais dificulta essa prática. "É preciso que o município invista em pessoal e em capacitações. Esses profissionais precisam estar sendo frequentemente capacitados para que façam um bom trabalho".
Sandra Luzinete diz que a hemorragia pós-parto é uma das maiores causas de mortalidade materna e que nos casos em que a mulher sobrevive, a condição de "quase-morte" gera despesa para o convênio do Sistema Único de Saúde (SUS) e prejuízo pessoal para a mãe, que tem a amamentação e o vínculo com o filho prejudicados. A professora acrescenta que em casos graves, a maioria das complicações é prevenível e evitável por meio do pré-natal bem realizado. Enfatiza que há necessidade de uma assistência humanizada e ressalta que a residência obstetrícia para os cursos de Enfermagem e Medicina oferecidas no Hospital Universitário elevam a qualidade do serviço prestado.