POLÍTICAS PÚBLICAS

Projetos Novo Cidadão e Mais que Doce promovem reinserção de ex-presidiárias no mercado de trabalho

Cursos nas áreas de estética, gastronomia e jurídica criam oportunidades para a ressocialização de mulheres

Guilherme Correia e Izabela Piazza23/08/2019 - 21h21
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Egressas do sistema prisional de Campo Grande têm novas oportunidades de ressocialização, por meio de cursos e atividades que visam reintegração. O projeto "Novo Cidadão - Reintegração Social e Cidadania do Egresso”, proposto pela Agência Estadual de Administração do Sistema Prisional (Agepen), pretende reduzir dificuldades enfrentadas por ex-presidiários diariamente na reinserção no mercado de trabalho. A etapa da entrevista de emprego é um dos principais entraves na busca de novas oportunidades.

O trabalho, realizado em conjunto com o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) e o Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS), foi proposto pela agente penitenciária de Assistência e Perícia e psicóloga, Sofia Rodrigues da Silva Portela e iniciou no dia 22 de agosto. O projeto se constitui, segundo Sofia Portela, numa oportunidade de trabalho e reconhecimento da qualificação da pessoa. A psicóloga relata que existe preconceito em empregar ex-cárceres. “As pessoas têm muita resistência de empregar porque o preconceito é estigmatizado, e a gente precisa romper esse obstáculo”.

Sofia Portela afirma que, por meio do projeto, os participantes são encaminhados à Fundação Social do Trabalho de Campo Grande (Funsat). “O público que passa por esse curso é um público que vai estar mais preparado, que é uma pessoa que vai estar motivada e hoje em dia as empresas precisam de colaboradores que estejam motivados e empenhados no seu papel. O egresso é a fase mais importante, onde ele está com a liberdade condicional, mas também está propenso a ser cooptado para o crime”. 

Dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) de 2015 apontaram o Brasil em terceiro lugar entre os países que mais prendem no mundo, cerca de 698.618 detentos. A China ocupava o segundo lugar com 1.649.804 pessoas, e em primeiro lugar os Estados Unidos com 2.145.100 reclusos. Esta foi a primeira vez que o Brasil figurou entre os três primeiros no ranking mundial do encarceramento. Em 2014 o Infopen realizou um levantamento sobre o sistema penitenciário feminino no mundo. O Brasil ocupava o quinto lugar no ranking com 37.880 mulheres presas e uma taxa de aprisionamento de 18,5 para cada 100 mil habitantes. Dados mais recentes de 2017 mostram que o número total de mulheres presas no país é de 37.828. O estado de Mato Grosso do Sul ocupa o sexto lugar, com o total de 1.260 mulheres privadas de liberdade.

A mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Mônica Mendonça realizou pesquisa "Um estudo sobre a mulher e o delito – O amor encarcera?" sobre a população carcerária feminina. Ela foi agente penitenciária de segurança e custódia da Agepen por 15 anos. Mônica Mendonça relata que o narcotráfico é um dos fatores que mais contribuem para o aumento da população carcerária no país nos últimos anos.

A ex-agente penitenciária explica que as mulheres são ameaçadas por dois fatores. Primeiramente, pelo fato de darem continuidade ao tráfico realizado por seus parceiros. “Na ausência de seu convivente que foi detido, ela dá continuidade ao tráfico, até para sustentá-lo na prisão, sustentar a si mesma e sustentar a seus filhos”. O segundo motivo devido ao fato destas mulheres escolherem o tráfico como alternativa de retorno financeiro que classificam como trabalho. 

A manicure Priscila Silva* é uma das participantes do projeto “Novo cidadão”. Ela foi para a Unidade Educacional de Internação (Unei) aos 13 anos. “A primeira vez que eu fui [para a Unei] tinha 13 anos e nunca mais saí. A minha adolescência inteira foi assim, indo para a casa da Unei e voltando. Eu nunca tive uma vida de ter que fazer curso, estudar”. Priscila Silva foi presa por tráfico de drogas quando completou 18 anos e só conseguiu a liberdade três anos depois. Ela cumpriu dois anos e oito meses em regime fechado e quatro meses em regime semiaberto.

Priscila Silva relata que foi difícil sair e ter de recomeçar a vida em sociedade. “Agora para trabalhar já não são as mesmas coisas, tem que ter ensino médio, curso. Eu não tenho nada disso porque não consegui estudar, então para mim está sendo difícil, mas eu vou conseguir".                   

Priscila Silva participou do primeiro dia do projeto "Novo Cidadão" (Foto: Guilherme Correia)

A manicure acredita que poderá ingressar no mercado de trabalho com ajuda do primeiro curso que participa. "Quero me desenvolver mais, porque eu sou muito fechada na entrevista de emprego. Eu não consigo me expressar direito, para mim vai ser bom.” Ela explica que necessita estar no mercado para conseguir sustentar a família e que têm dificuldades em conciliar a busca pelo emprego com as duas filhas em casa para cuidar. “Em lugares que pedem para trabalhar até mais tarde eu já não posso”. Priscila Silva ressalta que está à procura de um trabalho e após várias entrevistas de emprego notou preconceito das empresas. “Numa loja que eu fui a mulher disse que não aceitavam pessoas com tatuagem, com 'essas características', sabe. Em outros lugares nem me chamaram”. 

O projeto “Mais que Doce” também busca reinserir ex-presidiárias no mercado de trabalho por meio de cursos profissionalizantes. Esta iniciativa é uma parceira do Tribunal de Justiça, Ministério Público do TrabalhoServiço Nacional de Aprendizagem Comercial de Mato Grosso do Sul (Senac/MS). A juíza da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar, Jaqueline Machado explica que o projeto oferece curso sobre legislação e outro sobre confeitaria. “É para fazer com que essa mulher tenha elementos de expressão, de conhecimento dos seus direitos, para sair do cárcere com um objetivo e com uma qualificação”. De acordo com a juíza, sete mulheres que cumprem pena em regime semiaberto foram escolhidas para participar. 

A diretora do Estabelecimento Penal Feminino de Regime Semiaberto, Aberto e Assistência à Albergada de Campo Grande, Cleide Santos Nascimento afirma que o número de mulheres presas aumenta e que a Agepen tem feito parcerias para oferecer cada vez mais cursos que ajudem na ressocialização. “Elas são encaminhadas, e às vezes trabalham em empresas conveniadas. Depois do término da pena são contratadas”. As internas também fazem atividades recreativas, como produzir artesanatos que depois são vendidos. Quadros e ornamentos realizados por elas fazem parte da decoração do Estabelecimento Penal. Segundo o mapa carcerário de julho de 2019, 323 mulheres estão em regime fechado e 129 em regime aberto e semiaberto em Campo Grande.

* Nome fictício

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